Folha de S. Paulo


Editorial: Pizza à paulistana

Ao engavetar o processo contra o vereador paulistano Aurélio Miguel (PR), acusado de corrupção, a Corregedoria da Câmara Municipal deu à cidade uma triste e conhecida mensagem: entre o compromisso com a ética e o espírito corporativo, os políticos, sempre que possível, ficam com o segundo.

Embora a generalização possa conter uma dose de injustiça, os Legislativos, nas diversas esferas de governo, têm contribuído para que seja essa a visão predominante na sociedade.

No caso em questão, o ex-judoca é réu numa ação civil sob acusação de ter recebido propina para liberar alvará de obras do shopping Pátio Paulista. Na esfera criminal, foi denunciado por supostamente exigir dinheiro para não citar funcionários de shoppings e da empresa Brookfield no relatório da CPI criada em 2009 para apurar irregularidades em lançamentos do IPTU, por ele presidida.

Conforme reportagens publicadas nesta Folha, o patrimônio do vereador floresceu de maneira notável nos últimos anos. Além de uma lancha e de 17 automóveis, possui 25 imóveis, no valor de R$ 25 milhões, em seu nome ou nos de suas duas empresas --oito deles adquiridos em espécie.

Quando foi eleito pela primeira vez, no ano de 2004, o ex-atleta --que conquistou medalha de ouro na Olimpíada de Seul-- possuía apenas R$ 1,4 milhão em bens, em valores atuais.

São indícios que, sem dúvida, justificam a iniciativa de submetê-lo a uma apuração na esfera parlamentar. Não foi, entretanto, o que considerou o vereador Milton Leite (DEM), relator do processo na corregedoria. Em sua avaliação, as evidências seriam "frágeis" e restritas a "recortes de jornais". Instado a requisitar provas reunidas pelo Ministério Público, o corregedor-geral da Câmara, Rubens Calvo (PMDB), negou-se a fazê-lo.

Um fato que antecedeu a decisão chamou a atenção pelas mal disfarçadas insinuações: Aurélio Miguel assinalou que foi presidente da CPI do IPTU, e não seu relator. A manifestação acabou interpretada como tentativa de dissuadir aliados do prefeito Fernando Haddad de levar o caso adiante, pois a relatoria daquela comissão foi ocupada por Antonio Donato (PT), hoje secretário de Governo do novo prefeito.

Consumada a "pizza" parlamentar, volta-se para a Justiça a expectativa de que as acusações contra Aurélio Miguel sejam esclarecidas.


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