Folha de S. Paulo


Tesouros arqueológicos iraquianos estão entre os alvos do Estado Islâmico

Diogo Bercito/Folhapress
Reconstrução de Mossul. Foto: Diogo Bercito/Folhapress ****ESPECIAL FOLHA**** DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM
Ruínas da tumba do profeta Jonas, na região de Mossul

Quando militantes da facção radical Estado Islâmico tomaram em 2014 as ruínas assírias de Nimrud, no norte do Iraque, ordenaram que Muhammad Said se afastasse de seu posto de guarda. Said lhes perguntou o que fariam.

A resposta: devastar.

Os terroristas então despedaçaram o icônico touro alado do palácio de Ashurnasirpal, um rei do século. 9 a.C. Locais que sobreviviam milhares de anos sumiram.

"Conhecia cada palmo daquelas ruínas", Said diz à Folha diante do sítio, hoje cercado pelo Exército iraquiano. "A tristeza foi tão profunda que me tirou as palavras."

Nimrud é só um exemplo entre o vasto patrimônio destruído pelo EI, que promove uma visão radical do islã, proibindo ícones e a reverência a artefatos arqueológicos.

O governo iraquiano retomou o controle de todos esses locais, incluindo as ruínas da capital assíria, Nínive, em Mossul, mas carece de plano para restaurá-los —algo que deveria ser prioridade segundo arqueólogos.

Além da destruição das ruínas, o EI negociou objetos como os que desapareceram do museu de Mossul no mercado negro. Já há esforços das autoridades internacionais para rastreá-los e devolvê-los.

"Os militantes me ofereceram 20% da renda do contrabando se eu lhes ajudasse a identificar os artefatos", diz Said, que também era guia turístico para os raros visitantes. "Não aceitei e fugi."

Mesmo se os objetos forem recuperados, o dano de terem sido removidos dos estratos de terra a que pertenciam —que ajudam a identificar seu período e uso— é irreversível. "O contexto arqueológico está perdido para sempre", diz a francesa Aline Tenu.

O time de Tenu, do Centro Nacional de Pesquisa Científica, trabalhava desde 2012 no nordeste do Iraque. A missão, interrompida pelo surgimento do EI, parou de novo em outubro com a crise política na região curda.

Tenu escavava ali estratos remontando ao terceiro milênio a.C, recuperando dezenas de inscrições cuneiformes. "O norte do Iraque é extremamente importante para a arqueologia", diz. "Há a planície onde as capitais assírias estavam, com dados fascinantes sobre a Antiguidade."

Um dos símbolos da campanha do EI contra a história iraquiana foi a destruição da mesquita construída no que a tradição local diz ser o túmulo do profeta Jonas. A explosão desse templo, em Mossul, em 2014, foi filmada.

Mesmo após retomar a cidade, em julho, o governo iraquiano não terminou de remover os destroços. Hoje os escombros são ponto turístico onde moradores fazem selfies. Não há controle de quem escala o que resta da tumba.

"A herança cultural não é prioridade", diz a arqueóloga iraquiana Layla Salih, que trabalhava no museu de Mossul. "Não perdemos só a história do nosso país, perdemos nossa identidade."


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