Folha de S. Paulo


Anúncio sobre Israel é 'oportunidade perdida', diz ex-embaixador dos EUA

O ex-embaixador dos Estados Unidos em Israel, Daniel Shapiro (2011-17), acredita que o presidente americano fez a coisa certa ao anunciar que Washington reconhece Jerusalém como capital de Israel.

Mas critica Trump por não ter discutido o assunto previamente com líderes árabes para deixar claro que ainda defende uma solução de dois Estados para dois povos, com a criação de um Estado palestino que tenha sua capital também em Jerusalém, mas na porção oriental.

Segundo Shapiro, hoje pesquisador visitante do Instituto de Estudos de Segurança Nacional, Trump deveria transferir a embaixada imediatamente para Jerusalém Ocidental, parte da cidade que não está em disputa com os palestinos.

Folha - O presidente Trump está tomando a decisão correta ao reconhecer Jerusalém como capital de Israel e transferir a embaixada para a cidade?

Shapiro - Sim. Jerusalém é a capital de Israel, ponto final. É apropriado reconhecê-la como tal, e por isso a embaixada americana deve estar lá. Não acho que haja nada de errado em colocar a embaixada em Jerusalém Ocidental, que não está em nenhuma disputa sobre soberania. Essa cidade já é, na prática, a capital.

Mas a maneira como ele anunciou a decisão está correta?

Não. Eu recomendaria que isso fosse feito de uma maneira inteligente, que reforçasse um interesse estratégico mais abrangente: o de atingir uma solução de dois Estados. Para fazer isso, seriam necessárias consultas prévias com figuras-chave regionais. Requereria transferir a embaixada em paralelo com a adoção imediata de um plano de paz mais abrangente. E, especificamente, requereria uma maior clareza de que, ao fim de negociações, deveria emergir um Estado palestino com capital em porções de Jerusalém Oriental.

Mas Israel afirma que Jerusalém é "unificada" desde a Guerra dos Seis Dias, em 1967...

Não é assim. Jerusalém Oriental tem um status diferente de Jerusalém Ocidental, e isso tem que ser negociado. Se fizéssemos tudo certo, estaríamos acabando com dois mitos: um mito palestino, de que Israel não tem direito histórico sobre Jerusalém, e o mito israelense, de que não há nenhuma possibilidade de uma solução de dois Estados caso um eventual Estado palestino tenha sua capital em Jerusalém Oriental.

O anúncio de Trump alcançará algum objetivo?

Não. Trata-se de uma oportunidade perdida. O anúncio nos deixa num estado de "meia gravidez". Reconhecer a capital sem transferir a embaixada imediatamente não leva ao gol final de alcançar dois Estados. O resultado é uma medida apenas retórica, não um passo real. Ele criou uma tempestade em copo d'água.

Como os palestinos e o mundo árabe em geral vão reagir?

Ninguém sabe. Obviamente, alguns líderes palestinos, árabes e europeus já demonstraram sua oposição. Mas isso não é uma razão para que não façamos a coisa certa. Também não podemos ser chantageados pela ameaça de violência. Mas, certamente, a abordagem de Trump foi uma trapalhada e pode levar a um péssimo impacto.

Editoria de Arte/Folhapress

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