Folha de S. Paulo


Análise

Decisão de Trump fortalece narrativa radical no mundo árabe

Ronen Zvulun - 22.mai.2017/AFP
Trump visita Muro das Lamentações, local sagrado do judaísmo, em Jerusalém, em maio deste ano

O anúncio de que Donald Trump havia decidido deslocar a Embaixada dos EUA em Israel para Jerusalém e reconhecer essa cidade como a capital do país deu renovado fôlego a previsões apocalípticas, como a do início de uma Terceira Intifada e a da eclosão de conflitos regionais mais amplos. Não se deve chegar a tanto.

Apesar de a possibilidade de embates ser real e de já haver convocatórias para um dia de fúria na Cisjordânia e em Gaza, a ideia de que os árabes e os muçulmanos sejam esses seres irracionais movidos apenas por arroubos violentos é mais um infeliz preconceito sobre o Oriente Médio.

O impacto da decisão de Donald Trump provavelmente será simbólico no médio prazo: o presidente americano fortalecerá o discurso dos grupos radicais que deveriam ser enfraquecidos na região. Jerusalém é, afinal, um poderoso símbolo para diversas organizações militantes.

A ideia de tomar essa cidade —sagrada para o judaísmo, o cristianismo e o islã— é um dos pilares programáticos de grupos radicais como o Hamas, um movimento palestino construído a partir da narrativa da resistência contra o controle israelense de seu território, que inclui Jerusalém.

A cidade e seus monumentos, em especial o Domo da Rocha, são fundamentais para a iconografia dessa organização, ilustrando de bandeiras a adesivos nos carros. Um dos brasões clássicos do Hamas mostra a cúpula dourada do Domo da Rocha atrás de duas espadas cruzadas.

A imagem desse monumento tem tamanha força que serve de símbolo até para organizações que não atuam diretamente em Jerusalém. Por exemplo, são comuns as fotografias de Hassan Nasrallah, líder da milícia xiita libanesa Hizbullah, em montagens com o Domo da Rocha ao fundo.

A organização terrorista Estado Islâmico, que opera no Iraque e na Síria, insiste em seus vídeos que irá tomar a cidade —a mesma promessa feita no passado também pela rede Al Qaeda, por grupos egípcios, por movimentos radicais iranianos, por franquias iemenitas e outros tantos.

SEM EFEITOS PRÁTICOS

A persistência da imagem de Jerusalém entre organizações radicais, porém, não significa que haja planos concretos de marchar rumo à cidade e conquistá-la, mesmo entre os militantes do Hamas. Como é um símbolo, o local serve mais a narrativas do que a efeitos práticos.

Jerusalém foi conquistada pelos Exércitos árabes no século 7, e o Domo da Rocha é um dos monumentos mais celebrados dessa civilização. A Mesquita de Al-Aqsa, localizada na mesma esplanada, é a terceira mais sagrada para os muçulmanos —a tradição islâmica acredita que o profeta Maomé viajou até ali durante uma noite.

É nesse sentido que a cidade tem tamanha importância e que a disputa entre palestinos e israelenses ressoa tão longe, como uma causa de toda a comunidade islâmica e um símbolo eficiente nos discursos políticos. Ao alimentar a narrativa do antagonismo, Trump agrava a instabilidade dessa região, agora mais longe de ter paz.

Editoria de Arte/Folhapress

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