Folha de S. Paulo


Trump queria corte de impostos para os ricos, mas foi derrotado pela filha

Cathal McNaughton/Reuters
Ivanka Trump, filha e assessora do presidente dos EUA, durante a Cúpula Global de Empreendimento (GES), em Hyderabad, no sul da Índia
Ivanka Trump, filha e assessora do presidente dos EUA, fez sua proposta sair vitoriosa

O presidente Donald Trump pediu aos senadores este mês que rejeitassem a exigência da Lei de Acesso à Saúde de que a maioria dos americanos tenham seguro-saúde e usassem as receitas para reduzir a alíquota máxima de imposto paga pelos americanos mais ricos, uma sugestão que colocou suas prioridades contra as de sua filha e senadores republicanos interessados em ajudar a classe média.

Afinal, o presidente aceitou só uma vitória parcial. Ele conseguiu a rejeição da obrigatoriedade individual da lei de saúde, mas desistiu do corte na alíquota do imposto de renda, que o teria beneficiado pessoalmente. Em vez disso, Ivanka Trump e seus aliados no Senado prevaleceram em sua pressão para incluir no imposto um crédito maior por filhos.

"Essa certamente foi uma batalha morro acima, especialmente porque não é uma questão amplamente compreendida", disse o senador republicano Mike Lee, de Utah, um importante defensor do crédito expandido para filhos. "Nós não temos necessariamente a sensação de que o presidente se opôs a ela. Ainda não tenho essa sensação. Acho que, se ele fosse contra, as coisas teriam funcionado de modo diferente."

Duas autoridades da Casa Branca repeliram a ideia de que Ivanka Trump se afastou de seu pai. Elas disseram que o alívio fiscal para pessoas de renda média era uma prioridade do presidente e que Ivanka Trump agiu em parceria com o governo em todos os aspectos da reforma fiscal.

Mas a luta na verdade continua. Mais tarde nesta semana Lee e o senador republicano Marco Rubio, da Flórida, assumirão outra prioridade do presidente, a de cortar o imposto corporativo de 35% para 20%. Os senadores pretendem oferecer uma emenda que cortaria o imposto para 22%, em vez de 20%, e usar as receitas para ajudar famílias com pouca ou nenhuma renda a se beneficiar do crédito para filhos e permitir que este aumente com a inflação.

Um porta-voz da Casa Branca, Raj Shah, não perdeu tempo em declarar a oposição do presidente na quarta-feira (29).

Trump não fez sigilo sobre seu desejo de um índice mais baixo de IR para as famílias mais ricas do país. Neste mês, ele tuitou sua vontade: "Estou orgulhoso da Câmara e do Senado republicanos por trabalharem duro para cortar impostos {& reformar}. Estamos chegando perto! Agora, que tal pôr fim à injusta e altamente impopular obrigação individual no OCare & reduzir os impostos ainda mais? Cortar as alíquotas mais altas para 35% com todo o resto indo para cortes na renda média?"

Mas sua sugestão de reduzir as alíquotas mais altas se chocou diretamente com a pressão para ajudar a classe média. O presidente também pressionou para eliminar o imposto sobre propriedades, provisão que teria beneficiado enormemente seus herdeiros.

Os republicanos da Comissão de Finanças do Senado votaram por unanimidade acrescentar em seu projeto a rejeição da obrigatoriedade da Lei de Acesso à Saúde, efetivamente dando a si mesmos mais de US$ 300 bilhões para gastar em cortes fiscais adicionais. Então os legisladores foram trabalhar para dedicar esse dinheiro a prioridades que não reduzir a alíquota máxima de IR ou cortar o imposto sobre propriedades.

Lee e Rubio recrutaram o senador republicano Tim Scott, da Carolina do Sul, que fala frequentemente com Ivanka Trump, e o senador republicano Dean Heller, de Nevada, para levarem a expansão do crédito por filho à Comissão de Finanças.

"Parecia-me bom senso se nosso objetivo fosse dar um corte fiscal semelhante da classe média para baixo", disse Scott.

A vitória de certa forma melhorou a visão de um projeto que a maioria das pesquisas de opinião sugere que é impopular entre a maioria dos americanos. Ao expandir o crédito de US$ 1.650 para US$ 2.000 por filho, como inicialmente propôs o projeto do Senado, os republicanos reduziram substancialmente o número de famílias de classe média que provavelmente enfrentarão um aumento fiscal imediato sob a lei.

O crédito maior por filho no plano do Senado evita aumentos de impostos para 3,5 milhões de famílias, comparadas com o aumento de crédito menos generoso no plano da Câmara. (Como esse crédito e todos os outros impostos individuais no projeto deverão expirar em 2025 para atender a regras processuais do Senado, todas as famílias de classe média enfrentam a perspectiva de aumento de impostos em 2026 se o futuro Congresso não intervier.)

Os republicanos atraíram críticas na Câmara e no Senado por apresentar seus planos como benéficos à classe média, mas os analistas concluíram que, como eliminam algumas deduções fiscais enquanto baixam as alíquotas, muitas famílias de trabalhadores na verdade verão seus impostos subirem. Análises iniciais sugeriram que aproximadamente um quarto das famílias de classe média poderão ter aumento de impostos em um ano se o projeto inicial do Senado for aprovado, comparadas com cerca da metade das famílias sob o projeto da Câmara.

Os senadores republicanos temiam esses efeitos de distribuição, disse Scott. Ao expandir o crédito e também permitir que os contribuintes de rendas mais altas o reivindiquem, acrescentou ele, "essa combinação resolveu o problema para muita gente".

Os democratas criticaram a decisão para incluir a rejeição do mandato no projeto de lei fiscal. O Escritório de Orçamento do Congresso calcula que isso levará 13 milhões de americanos a menos a escolher comprar seguro-saúde ou contratar seguro oferecido pelo governo como Medicaid, e sua análise conclui que a medida irá, no balanço, reduzir a renda dos trabalhadores que ganham US$ 30 mil por ano ou menos, porque eles receberão menos benefícios e subsídios à saúde do governo.

O projeto republicano é "um plano para tirar das pessoas o atendimento à saúde", disse o senador democrata Michael Bennett, do Colorado, em uma reunião de prefeitura pelo Facebook na terça-feira (28) à noite. Ele fez elogios parciais, porém, ao crédito expandido por filhos. "Se isso fosse feito do modo certo", disse ele, "realmente ajudaria muito as famílias de trabalhadores. Como está redigida a provisão hoje, ajuda muito pessoas como os senadores, francamente, e as famílias em categorias de alta renda, e não o bastante as famílias de trabalhadores."

Os republicanos dizem que a rejeição da obrigatoriedade, que é politicamente popular, dá aos consumidores a liberdade para escolher se querem comprar cobertura sem medo de penalidades do governo. Eles dizem que o Escritório de Orçamento está errado ao marcar os benefícios que os consumidores dispensam voluntariamente como renda perdida.

Mas eles se contentam em aceitar a análise da Comissão Conjunta sobre Taxação que a medida vai liberar mais de US$ 300 bilhões —por meio de gastos reduzidos do governo— que podem ser usados para compensar reduções fiscais na lei.

Esse dinheiro pode dar uma abertura a Lee, Rubio e Ivanka Trump, que trabalharam juntos durante meses depositando as bases para a expansão do crédito para filhos. O grupo ficou decepcionado com a versão da Câmara da lei fiscal e a lei inicial do Senado, que expandia o crédito de US$ 1.000 atuais, mas contrabalançava essa expansão com outras deduções perdidas para as famílias.

"A expansão normal no projeto original foi possivelmente comida por outras cobranças", disse Lee.

Nem Scott nem Lee caracterizaram suas conversas com o presidente durante o período de negociação, mas Lee disse que houve várias ideias concorrentes sobre como alocar os US$ 300 bilhões.

Se o pedido de Trump de uma alíquota máxima de 35% fosse concedida plenamente, os republicanos teriam dado benefícios ainda maiores aos que ganham mais, que a Comissão Conjunta já considera os maiores beneficiários dos cortes fiscais sob o plano. Trump provavelmente teria visto essa lei fiscal encolher consideravelmente.

Autoridades da Casa Branca dizem que o presidente ficou satisfeito simplesmente em ver a rejeição da obrigatoriedade incluída. E embora Lee continue pressionando por mais uma expansão do crédito por filho —que permitiria benefícios a mais famílias de baixa renda— ele chamou a lei em geral de "um passo na direção certa".

Ele, Rubio, Scott e Heller deverão votar a favor dela no Senado.

Tradução de LUIZ ROBERTO MENDES GONÇALVES


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