Folha de S. Paulo


Vista como frágil, aliança governista de Portugal chega dividida a 3º ano

Apelidada de "geringonça" devido à aparente fragilidade de sua composição, a inédita coalizão de esquerda que comanda Portugal acaba de chegar, sem grandes sobressaltos, à metade de seu mandato.

Embora mantenham o discurso de união, porém, o Partido Socialista, o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista Português já discutem abertamente por divergências orçamentárias, além de enfrentarem o desgaste ante a opinião pública após a crise dos incêndios florestais, que provocaram a morte de mais de cem pessoas em 2017.

Jonathan Nackstrand - 17.nov.2017/AFP
O premiê de Portugal, António Costa, descansa em intervalo do Fórum Social Europeu em Gotemburgo
O premiê de Portugal, António Costa, descansa em intervalo do Fórum Social Europeu em Gotemburgo

No entanto, em um momento em que a direita e a extrema direita ganham força em boa parte da Europa, o primeiro-ministro socialista António Costa —que completa dois anos no cargo neste domingo (26)— não enfrenta esse tipo de problema.

Nas eleições municipais de outubro, consideradas uma espécie de termômetro da satisfação dos eleitores, o Partido Socialista ampliou o número de cidades sob seu comando e viu o principal partido da oposição, o PSD (Partido Social Democrata), de centro-direita, encolher.

A legenda rival ficou ainda sem comando após o anúncio da saída de seu líder, o deputado e ex-premiê Pedro Passos Coelho, que desistiu de continuar no comando da sigla após o fiasco nas urnas.

DESGASTE

A crise na oposição, no entanto, não poupou o governo português de começar a apresentar seus primeiros sinais de desgaste.

Um dos principais comentaristas políticos de Portugal, Luís Marques Mendes, antevê dias mais sombrios para a coalizão de esquerda, que, segundo ele, "vai entrar em uma fase dificílima", com cada vez mais disputas políticas entre os partidos que a integram.

"A solidariedade que existia entre os três parceiros acabou. PCP e Bloco de Esquerda vão ser muito mais oposição a partir de agora", resume ele.

De fato, as próprias agremiações da coalizão pressionam por uma reversão mais rápida das políticas de austeridade impostas pelo governo anterior, do PSD.

Nesta semana, uma das dirigentes do Bloco de Esquerda, a deputada e economista Mariana Mortágua, publicou um duro artigo com críticas ao ministro das Finanças, Mário Centeno, e sua proposta de orçamento para Portugal no ano que vem.

"Em 2017, o Estado português gastou mais em saúde e educação do que nos mínimos de 2015, mas, ainda assim, menos do que no início da década", apontou.

"Não é limitando o tão necessário investimento na saúde ou na escola pública que se impede uma nova crise. Nem é pondo em causa os direitos dos funcionários públicos, ou recusando alterações laborais que combatam a precariedade", escreveu ela.

Embora o país tenha cumprido as metas de Bruxelas e agradado aos mercados, saindo da categoria "lixo" ("junk") de investimento após uma grave crise econômica, o endividamento português e a pressão por aumento dos gastos públicos (liderada pela ala mais à esquerda da "geringonça") já atraíram sinais de alerta por parte da União Europeia e de instituições financeiras.

A relação entre o primeiro-ministro e o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, também já foi melhor.

Após uma espécie de lua de mel ao longo do primeiro ano de governo, o clima entre os dois parece ter azedado com os incêndios no país de junho e outubro, com direito a um puxão de orelha feito em pronunciamento em rede nacional pelo presidente —e que levou à demissão da ministra responsável pela gestão do território.

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Patrícia de Melo Moreira - 24.out.2017/AFP
A líder do CDS-PP, Assunção Cristas, discursa no Parlamento durante voto de confiança de Costa
A líder do CDS-PP, Assunção Cristas, discursa no Parlamento durante voto de confiança de Costa

Deputada se destaca como nome da direita

Doutora em direito, católica assídua, mãe de quatro filhos e ainda presidente de seu partido político, a deputada Assunção Cristas, 43, vem se firmando como um dos principais nomes da direita em Portugal.

Ela soube aproveitar o vácuo aberto pela crise da maior legenda da oposição, o PSD —enfraquecido pela ausência de um líder até seu congresso, no início de 2018—, para aumentar a influência de seu CDS-Partido Popular, tradicionalmente coadjuvante nas questões nacionais.

A composição da "geringonça", que fez com que os partidos de esquerdas se alinhassem (e evitassem polemizar com o premiê), também favoreceu Cristas ao lhe dar protagonismo nas críticas ao governo.

A crise dos incêndios florestais fez suas palavras reverberarem na imprensa e consolidarem a imagem de antagonista da esquerda.

Nos últimos meses, a líder do CDS-PP concentrou suas forças na capital, Lisboa, onde participou ativamente da campanha para as eleições municipais.

O resultado foi o melhor da história do partido, que triplicou seus votos em relação a eleições anteriores, quando era liderado pelo ex-vice-premiê Paulo Portas.

"Sinto que, em Lisboa, somos os líderes da oposição. No nível nacional, trabalharemos para também ser. O que queremos é trabalhar para reforçar a centro-esquerda e ser verdadeiramente uma alternativa às esquerdas unidas em Portugal", disse ela.


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