Folha de S. Paulo


ANÁLISE

Difícil por natureza, comunicação do caso do submarino é desastrosa

Marcos Brindicci /Reuters
Familiares dos tripulantes do submarino argentino ARA San Juan aguardam notícias em base naval argentina, em Mar del Plata, nesta quinta
Familiares dos tripulantes do submarino argentino ARA San Juan aguardam notícias em Mar del Plata

Poucas missões são tão ingratas para uma autoridade quanto comunicar o prosseguimento de uma operação de busca e salvamento. No mar, com suas particularidades como o fato de que a geografia subaquática e até uma baleia podem dar pistas falsas, a situação se agrava.

Num mundo de redes sociais e sites ávidos por cliques, então, o cenário é de pesadelo para quem gerencia a comunicação de um suposto desastre como o que cada vez mais parece ter atingido o submarino argentino ARA San Juan. Há poucas informações confiáveis, e a pressão por confirmações deixa de ser diária para ser minuto a minuto.

Isso dito, a Marinha argentina vem falhando de forma consistente na divulgação do incidente com o San Juan. Primeiro, passou dois dias insistindo em que o barco só estava sem comunicação, mas não desaparecido.

Fez isso enquanto organizou um apelo de ajuda internacional respondido por mais de uma dúzia de países, já que não dispõe de meios adequados para proceder um resgate submarino —operação complexa que envolve navios especializados, aviões com sensores e muita busca visual.

Felizmente, receberam ajuda pronta, inclusive do antigo adversário postado nas ilhas Falkland —as Malvinas que os argentinos dizem ser suas, mas que pertencem ao Reino Unido e pela qual travaram uma guerra em 1982. Mas do ponto de vista de construção de narrativa, como diz o jargão na comunicação, a Marinha está sempre um passo atrás: só depois de vários países enviarem auxílio que ela elevou a categoria da missão para "busca e salvamento".

Luciano Veronezi/Editoria de Arte/Folhapress

Obviamente há uma enormidade de atenuantes em favor dos militares. Busca submarina é dificílima, vide o episódio do avião sumido da Malaysia Airlines desde 2014, e as condições do tempo estão especialmente adversas.

Mas um sem-número de anúncios de sinais possíveis e posteriores negativas também não ajudou em nada para aliviar a angústia das famílias dos submarinistas. O fato de que o San Juan teve um problema com baterias antes de sua viagem foi inicialmente negado, só para ser confirmado dias depois.

A forma titubeante com que os militares trataram o episódio está formando uma onda contrária a eles na opinião pública argentina. A divulgação, novamente confirmando dado vindo de fora (EUA e Áustria), de que parece ter havido uma explosão na área em que o submarino foi contactado pela última vez no dia 15, só confirmou isso: parentes já acusam a Marinha de assassinato.

É um exagero natural da sensibilidade do momento e a exacerbação de ânimos, embora levante dúvidas já postas sobre a condição de navegabilidade do San Juan. A adição de uma aura conspiratória sobre o episódio, explicitada pela fala de uma juíza segundo a qual a missão do submarino era um segredo de Estado, nem tampouco irá facilitar a vida dos porta-vozes militares.

Logo em sua largada, o governo de Vladimir Putin sofreu um baque de popularidade pela forma descuidado com a qual tratou a tragédia que matou 118 marinheiros do submarino nuclear Kursk em 2000. Mauricio Macri foi mais ágil, mas ainda assim corre o risco de ficar com ônus caso o pior que se anuncia se concretize.


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