Folha de S. Paulo


Análise

Caso do submarino San Juan serve de alerta a países sul-americanos

O desaparecimento do submarino argentino ARA San Juan, que chega nesta quarta-feira (22) a um dramático sétimo dia, deve servir de alarme às Marinhas da América do Sul, inclusive a do Brasil, por dois motivos.

Primeiro, ainda pendente de saber o que ocorreu, a questão da navegabilidade dos submarinos da região.

Telam/AFP
Submarino ARA San Juan é lançado à água; embarcação continua desaparecida após uma semana
Submarino ARA San Juan é lançado à água; embarcação continua desaparecida após uma semana

Tudo o que se sabe sobre o San Juan é que ele passou por problemas nas suas baterias antes da viagem. Embora as 960 células que carrega tenham sido trocadas na revisão de 2008 a 2013, a manutenção é um ponto central: nesse sentido, não diferem de baterias de um celular, que decaem com o uso.

"Os governos [esquerdistas de Néstor e Cristina] Kirchner [de 2003 a 2015] destruíram a Marinha, cortaram as verbas, numa revanche ideológica. Há uma combinação de material velho com defasagem geracional, já que muitos deixaram a Força", diz Felipe Salles, mestre em Estudos Marítimos pela Escola de Guerra Naval, no Rio.

O Brasil, que opera cinco submarinos do modelo Tipo-209 alemão, não está imune. "Os cortes ao longo dos anos obrigaram a Marinha a adiar revisões de meia-vida de seus barcos", diz Salles.

A Folha ouviu um ex-integrante da Força de Submarinos, sob anonimato. Ele conta ter ouvido relatos de que os barcos brasileiros são poupados de idas ao mar para esticar a vida útil das baterias.

A reportagem procurou a Marinha para falar sobre o tema, mas não obteve resposta até o momento.

Sendo verdade aqui, como é na Argentina (segundo o próprio Ministério da Defesa local admitiu, ao anunciar um plano de US$ 2,5 bilhões de investimento em 2016), isso penaliza a experiência.

"O submarinista pode ser ótimo, mas se não for ao mar para ser testado, fica deficiente", avalia Salles.

O mesmo vale para outras Marinhas na região.

Historicamente, elas se equiparam para anular frotas rivais (Peru contra Equador, Argentina contra Chile).

Com exceção de dois modelos franceses Scorpène (classe O'Higgins) no Chile, todas se equiparam com variantes mais ou menos novas dos best-sellers alemães (produzidos entre 1971 e 2008).

A maioria é Tipo-209, exceto o San Juan e seu gêmeo, o Santa Cruz, de uma classe mais veloz alemã chamada TR-1700, dos anos 1980.

O segundo ponto de alarme é a questão do resgate submarino, negligenciado. Apenas o Brasil tem um navio dedicado a isso, o Felinto Perry, e segundo especialistas ele está defasado para operações em alto-mar. Ele atua na busca pelo San Juan.

Aviões modernos para a missão também são raridade, tanto que a sorte da Argentina está na pronta ajuda dos norte-americanos.

O Chile conta com os modelos mais novos, vantajosos em termos de manutenção e sistemas de armas.

O Brasil, após anos de apostas num porta-aviões enfim aposentado neste ano, decidiu priorizar submarinos.

Migrou da família alemã para a francesa Scorpène —está construindo quatro desses submarinos convencionais, e busca ter um de propulsão nuclear.

Por tudo o que foi divulgado, o San Juan provavelmente está no fundo do oceano. Por ser mais rápido e estável, traslados como o que fazia ocorrem debaixo d'água.

Seu oxigênio, se a embarcação não subiu para a superfície desde o dia 15, pode acabar em menos de 24 horas. Navios com robôs submarinos americanos zarparam para a região de busca na terça (21).


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