Folha de S. Paulo


Dependência do petróleo e decisões do chavismo gestaram calote venezuelano

Quando os credores internacionais declararam a Venezuela inadimplente na quinta-feira (16), a notícia não surpreendeu o mercado. O calote da dívida venezuelana vem sendo gestado há pelo menos 15 anos e é resultado de uma série de intervenções equivocadas na economia que provocaram inflação galopante, escassez e recessão.

É difícil achar o ponto de partida dos problemas em um país que já declarou moratória de sua dívida oito vezes desde a independência, em 1810, mas analistas apontam o controle cambial, imposto por Hugo Chávez (1954-2013) em 2003, como estopim.

Federico Parra - 14.nov.2017/AFP
Réplica de bomba de petróleo em praça de Caracas; calote da Venezuela foi gestado há 15 anos
Réplica de bomba de petróleo em praça de Caracas; calote da Venezuela foi gestado há 15 anos

O governo passou a controlar a entrada e saída de dólares e a tabelar o preço de alguns produtos básicos com o pretexto de evitar a fuga de capitais. O motivo real, porém, era reagir politicamente ao golpe de 2002, que quase tirou Chávez do poder.

Naquela época, uma greve dos trabalhadores da PDVSA parou a Venezuela. Eleito em 1999, Chávez só não perdeu o cargo por causa da ajuda do então presidente brasileiro, Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), que enviou navios de petróleo para furar a greve e conter o golpe.

Desde então, chavismo e oposição vivem às turras, mas os altos preços do petróleo garantiam milhões de dólares, ofuscando os problemas. No auge, em junho de 2008, o preço do petróleo chegou a bater US$ 147 por barril, enquanto a economia da Venezuela crescia acima de 7%.

Muitas empresas estrangeiras, incluindo as brasileiras Odebrecht e Andrade Gutierrez, chegaram à Venezuela na expectativa de abocanhar uma fatia dessa riqueza. Várias companhias passaram a exportar para o país caribenho. As vendas do Brasil para a Venezuela chegaram a mais de US$ 5 bilhões.

Editoria de Arte/Folhapress

GASTOS

Chávez aproveitou o momento para elevar significativamente os gastos públicos e conseguiu avanços importantes na redução da desigualdade. Também utilizou seus petrodólares para fazer diplomacia, apoiando regimes complicados em Honduras, Nicarágua, além dos irmãos Castro em Cuba.

"A Venezuela sofreu da típica maldição das commodities, que é ainda mais forte com o petróleo. Quando os preços caíram, o país colapsou, porque não se preparou para os tempos de vacas magras", diz Mônica de Bolle, pesquisadora do Peterson Institute, em Washington.

Em setembro de 2008, quando o banco Lehman Brothers quebrou e o crédito global secou, o preço do petróleo teve um soluço.

Naquele momento, muitos economistas observavam que a situação da Venezuela era insustentável. A inflação passava de 30%, uma das mais altas do mundo, mas ainda muito baixa perto dos estimados 1.000% anuais de hoje (não existem estatísticas oficiais confiáveis no país).

Vitimado por um câncer em 2013, Hugo Chávez não viu o colapso do país. Segundo Pedro Landaeta, economista da consultoria Datanalisis, em Caracas, a situação degringolou a partir de 2014, quando os preços do petróleo finalmente despencaram.

O calote da dívida só não ocorreu três anos atrás por causa do socorro de China e Rússia e da determinação de Nicolás Maduro de pagar os credores para se manter no poder, apesar da escassez extrema de produtos no país, que importa tudo o que consome.

"Com o calote, há risco de que navios de petróleo da Venezuela sejam confiscados por credores. Se isso ocorrer, será a implosão total", diz Oliver Stuenkel, professor de relações internacionais da Fundação Getúlio Vargas.


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