Folha de S. Paulo


Para Igreja Anglicana, crianças devem explorar identidade de gênero

Em novas regras para combater o bullying nas 4.700 escolas que dirige, a Igreja Anglicana anunciou na segunda-feira (13) que as crianças devem poder "brincar com as múltiplas capas da identidade" nas salas de aula, o que levou ao debate sobre como lidar com as questões de gênero entre pessoas muito jovens.

A discussão expôs profundas divisões entre os anglicanos conservadores, que defendem os valores tradicionais, e aqueles que buscam uma abordagem mais liberal.

Alessandro Bianchi - 26.fev.2017/Reuters
Líderes da Igreja Anglicana recebem o papa Francisco na Igreja de Todos os Santos, em Roma
Líderes da Igreja Anglicana recebem o papa Francisco na Igreja de Todos os Santos, em Roma

Em uma diretriz intitulada "Valorizando Todas as Crianças de Deus", a igreja afirmou que os alunos de escolas primárias "deveriam ter liberdade para explorar as possibilidades de quem poderiam ser, sem julgamento ou derrisão".

"Por exemplo, uma criança pode escolher usar um saiote de balé, uma tiara de princesa ou saltos altos, e/ou um capacete de bombeiro, cinturão de ferramentas e capa de super-herói, sem expectativas ou comentários", afirma a diretriz. "A infância tem um lugar sagrado para os esforços de autoimaginação criativa".

O reverendo Justin Welby, arcebispo de Canterbury, que lidera a Igreja Anglicana e é líder espiritual dos 80 milhões de anglicanos do planeta, endossou a diretriz.

"É preciso evitar a todo custo reduzir a dignidade de qualquer indivíduo a um estereótipo ou problema", escreveu. "As escolas da Igreja Anglicana oferecem uma comunidade na qual cada um é uma pessoa conhecida e amada por Deus, e apoiada em busca de seu valor intrínseco".

A Igreja Anglicana promulgou diretrizes para conter o bullying homofóbico em suas escolas em 2014, mas as normais recentes expandem fortemente o alcance de suas preocupações.

"Toda forma de bullying, o que inclui o bullying homofóbico e transfóbico, causa danos profundos, conduzindo a níveis mais elevados de distúrbios de saúde mental, lesões autoinduzidas, depressão e suicídio", escreveu Welby.

"Essa orientação ajuda as escolas a oferecer a mensagem cristã de amor, alegria e celebração de nossa humanidade, sem exceção ou exclusão".

Embora haja muitos tipos diferentes de escola no Reino Unido, das particulares às estatais, as escolas afiliadas à Igreja Anglicana costumam ser muito procuradas pelos pais por conta do padrão elevado de educação que oferecem.

Mas, em uma era de oposição cada vez mais veemente à discriminação contra pessoas com base em sua sexualidade ou identidade, a igreja mesma está vivendo um período tumultuado devido ao seu tratamento dessas questões.

As regras foram recebidas positivamente por organizações que lutam pelos direitos dos LGBT e por outras entidades, como a organização sem fins lucrativos Stonewall, que descreveu as novas diretrizes como "um sinal claro de que bullying homofóbico, bifóbico e transfóbico não deve ser tolerado jamais".

No entanto, os tradicionalistas se opuseram ao édito.

"Falta carinho, amor e compaixão a essas regras", disse Andrea Minichiello Williams, presidente da Christian Concern, uma organização evangélica. "Todos nos opomos ao bullying, mas a igreja está usando essas diretrizes para promover uma agenda que contraria seus próprios ensinamentos".

"Estamos chegando a um ponto em que, se você não tomar cuidado, qualquer deslize com relação à agenda de correção política da Igreja Anglicana pode resultar em punição", ela disse ao jornal conservador "Daily Mail". "A agenda de combate ao bullying tem por alvo pessoas que saiam da linha —os inimigos do bullying estão virando bullies".

Quando apontado como arcebispo, em 2012, Welby declarou que sempre "fui avesso à linguagem da exclusão".

"Acima de tudo, precisamos criar na Igreja espaços seguros para que essas questões sejam discutidas com honestidade e amor", ele disse. "Não podemos aceitar qualquer forma de homofobia em qualquer parte da igreja".

Mas a despeito dos apelos da igreja pela inclusão, e da legalização do casamento homossexual em quase todo o Reino Unido em 2014, a doutrina anglicana ainda proíbe os sacerdotes da igreja se abençoar esse tipo de união.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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