Folha de S. Paulo


Mansão presidencial na Libéria é tida como mal-assombrada

Jane Hahn/The New York Times
A rear view of the Executive Mansion in Monrovia, Liberia, Oct. 10, 2017. The historic edifice that is supposed to be home to whoever wins the presidential elections, as any Liberian will tell you, is both haunted and jinxed. (Jane Hahn/The New York Times) ORG XMIT: XNYT51
Vista dos fundos da Mansão; atual presidente passou apenas duas noites na residência oficial

Operários de construção estão ocupados reformando a Mansão Executiva liberiana, uma propriedade enorme e histórica que teoricamente deve ser habitada pelo vencedor das eleições presidenciais.

Se ele tiver o estômago necessário para isso, é claro.

Como qualquer liberiano lhe dirá, o lugar é ao mesmo tempo assombrado e amaldiçoado. Eu sou liberiana, então conheço a história. Nenhum presidente que já viveu na Mansão por muito tempo chegou a um fim decente.

Consta que espíritos percorrem os corredores e que tarde da noite é possível ouvir fantasmas aplaudindo, como se fosse ao término de um discurso.

Os guardas de segurança postados em torno da Mansão —todo o mundo na Libéria a conhece simplesmente como "a Mansão"— relatam que às vezes, na madrugada, mais ou menos na horário em que o presidente William R. Tolbert, ainda de pijama e robe, foi eviscerado por homens comandados por seu sucessor (que também teria um fim precoce), o aroma de comida é sentido no ar. São os fantasmas preparando a última refeição do infeliz Tolbert.

A presidente atual da Libéria, Ellen Johnson Sirleaf, parece ter chegado ao final de seu mandato intacta; ela deixará o poder em janeiro, depois de seu sucessor ser escolhido em um segundo turno eleitoral marcado para 7 de novembro.

Se isso chegar a acontecer, é claro. Com uma única exceção, os homens dos principais partidos que disputam sua sucessão e que não ficaram em primeiro lugar na eleição de 10 de outubro estão alegando que a eleição foi injusta. Observadores internacionais dizem que foi.

Temendo uma vitória no segundo turno do ex-jogador de futebol George Weah, que conseguiu de longe o maior número de votos em outubro, três dos outros candidatos principais, incluindo o vice de Sirleaf, pediram a anulação dos resultados do primeiro turno.

Eles acusam Sirleaf, que não endossou publicamente nenhum candidato, de interferir em favor do jogador de futebol, que ela própria derrotou duas vezes.

Brendan Smialowski - 26.feb.2015/AFP
(FILES) This file photo taken on February 26, 2015 shows Liberian President Ellen Johnson Sirleaf waiting to deliver a speech on Capitol Hill in Washington, DC. Liberia's ruling party announced on October 29, 2017 a formal complaint against the electoral commission over the outcome of the October 10 presidential poll, days before a runoff involving its candidate, Vice-President. The statement also accused incumbent President Ellen Johnson Sirleaf, also of the Unity Party, of
Ellen Johnson Sirleaf, presidente da Libéria, ordenou reformas na Mansão assim que assumiu o cargo

Independentemente do que venha a acontecer, uma coisa parece clara: Ellen Johnson Sirleaf sobreviveu. E a visão prevalente no país é que uma razão disso foi sua recusa em dormir na Mansão, exceto por duas noites logo após sua posse, em 2006.

Como dizem na Libéria, "vergonha pequena é melhor que vergonha grande". Sirleaf deixou a Mansão Executiva depois de dias, voltando à sua própria casa, com a desculpa de que a Mansão precisava ser reformada antes que ela pudesse se instalar nela.

Amigos e aliados da presidente contam que ela ficou chocada com o que viu ao chegar na residência presidencial. No quarto onde seus predecessores haviam dormido, as janelas tinham sido pintadas de preto. A mesma coisa se repetia na pequena sala de jantar íntima da família presidencial.

O corredor longo e assustador onde Tolbert foi morto ainda era —bem, longo e assustador. As paredes do banheiro da suíte principal eram todas espelhadas. Uma sala de estar circular no andar abaixo dos aposentos residenciais tinha manchas de sangue nas paredes e no tapete.

E o teto do salão que deveria ser o gabinete de Sirleaf estava pintado com anjos e o rosto de Jesus Cristo com expressão sombria, exatamente sobre o lugar onde ficaria a mesa de trabalho da presidente.

Quando Sirleaf pediu que pintassem por cima dos anjos e de Jesus, operários supersticiosos se recusaram a cumprir a ordem. Com todos os rumores sobre magia negra que teria sido feita na Mansão, eles não estavam preparados para tirar Jesus do teto.

Jane Hahn/The New York Times
One of two old limousines outside of the Executive Mansion in Monrovia, Liberia, Oct. 10, 2017. The historic edifice that is supposed to be home to whoever wins the presidential elections, as any Liberian will tell you, is both haunted and jinxed. (Jane Hahn/The New York Times) ORG XMIT: XNYT50
Mansão tem duas limusines, que estão há anos estacionadas sem uso

Sirleaf conseguiu que outras pessoas repintassem o teto certa noite, sem fazer alarde do fato. Em entrevista recente, ela se negou a entrar em maiores detalhes. "Havia anjos voando no teto do salão de trabalho", ela disse. "É claro que tiramos aquilo."

Dois meses mais tarde, convenientemente, um incêndio de origem oficialmente dada como elétrica, mas que a maioria das pessoas acredita ter sido criminosa, destruiu o suficiente da parte interna da Mansão para que Sirleaf pudesse ordenar uma reforma ampla do imóvel, que demandaria muito tempo e não seria concluída antes de ela ter deixado a Presidência.

Doze anos e dois mandatos presidenciais mais tarde, a reforma ainda não está terminada. Quando o presidente George W. Bush visitou a Libéria, em 2008, e dançou ao lado de Sirleaf ao som de música liberiana, eles o fizeram nos jardins da Mansão, mas não no interior da residência.

As reformas estão previstas para terminar dentro de dois anos, quando o próximo presidente já terá cumprido um terço de seu mandato.

"Ah ha, veremos quando a hora chegar!" comentou Steven Togba, 82 anos, conhecido como Velho Steven e que mora no bairro de Boozy Quarters (algo como "moradia de bebuns"), perto da Mansão.

O Velho Steven disse que não se hospedaria na Mansão nem que lhe pagassem. "Você viu o que aconteceu com Tolbert?", perguntou. E se recordou de alguns outros ocupantes da residência presidencial. "E Doe? E Tubman?"

Jane Hahn/The New York Times
The lobby of the Executive Mansion in Monrovia, Liberia, Oct. 10, 2017. The historic edifice that is supposed to be home to whoever wins the presidential elections, as any Liberian will tell you, is both haunted and jinxed. (Jane Hahn/The New York Times) ORG XMIT: XNYT52
Hall de entrada da Mansão, que está em obras há 11 anos

Pensando bem, não é difícil entender por que todos desconfiam do lugar.

O presidente William Vacanarat Shadrach Tubman, cujo mandato se estendeu por 27 anos, mandou construir a Mansão no início da década de 1960 e se instalou nela em 1964. Tubman viveu sete anos relativamente pacíficos ali antes de cair morto em 1971, aos 75 anos.

Como poucas pessoas acreditam que liberianos possam morrer de causas naturais, muitos atribuem a morte de Tubman a uma previsão de Wilhelmina Bryant-Dukuly, conhecida como Mãe Dukuly, que havia avisado o presidente publicamente que ele morreria se permitisse que uma faca de qualquer espécie tocasse seu corpo.

Tubman ignorou o aviso de Mãe Dukuly e deixou que médicos em Londres o operassem devido a um câncer de próstata. Ele morreu.

O próximo na lista foi Tolbert. Após nove anos no poder, Tolbert foi atacado no meio da noite por soldados de seu próprio Exército, sob o comando do então oficial chefe Samuel Doe, no acima mencionado corredor longo e assustador dos aposentos residenciais da Mansão.

Os soldados deram três tiros em Tolbert, depois arrancaram seu olho direito e, finalmente, o estriparam. Prenderam a primeira-dama, Victoria Tolbert, e os filhos do casal. E fuzilaram os membros do gabinete de Tolbert numa praia a pouca distância da Mansão.

Um túnel que levava até o mar tinha sido instalado sob a Mansão para ajudar seus moradores a escapar de justamente esse tipo de situação, mas não pôde ser usado para os fins pretendidos naquela noite porque o elevador não estava funcionando.

Doe assumiu a Presidência e se instalou na Mansão. Os liberianos dizem que ele instalou jacarés no porão e que os alimentava com pessoas, mas Sirleaf insiste que, quando assumiu a Presidência e enviou operários ao porão para examinar o lugar, não havia nenhum poço de jacarés.

"Apenas o túnel", ela disse.

Jane Hahn/The New York Times
The view from the Executive Mansion in Monrovia, Liberia, Oct. 10, 2017. The historic edifice that is supposed to be home to whoever wins the presidential elections, as any Liberian will tell you, is both haunted and jinxed. (Jane Hahn/The New York Times) ORG XMIT: XNYT53
Vista dos jardins da Mansão Executiva, considerada mal-assombrada pelos liberianos

Mas ainda resta uma janela no sexto andar da qual, segundo guardas de segurança, pessoas eram jogadas para baixo com regularidade. As pessoas geralmente evitam passar diante dela, fato que não chega a surpreender.

Em vista da história do imóvel, poucos liberianos criticam Sirleaf por não ter ido viver ali.

Em vez disso, ela mora numa residência bem iluminada e fortemente protegida por guardas no bairro de Fish Market (Mercado de Peixes), em Monróvia, onde pode nadar em paz em sua própria piscina todas as manhãs.

Enquanto isso, as equipes de construção continuam ocupadas reformando a Mansão para o próximo presidente. Sirleaf disse que deseja boa sorte a seu sucessor em sua nova residência.

Tradução de CLARA ALLAIN


Endereço da página:

Links no texto: