Folha de S. Paulo


Viúva de militar diz que ligação de Trump a fez 'chorar ainda mais'

WPLG/Associated Press
A mulher do sargento La David Johnson, Myeshia, chora abraçada ao caixão do marido em Miami
A mulher do sargento La David Johnson, Myeshia, chora abraçada ao caixão do marido em Miami

"Ele me fez chorar ainda mais. Tive raiva de seu tom de voz. Ele não conseguia se lembrar do nome do meu marido. Ouvi-o gaguejar ao tentar dizer o nome. Isso foi o que machucou mais", disse a viúva do sargento La David Johnson, sobre o telefonema de condolências que recebeu do presidente Donald Trump.

"Ele deu a sua vida pelo país, e você não é capaz nem de se lembrar do seu nome?"

Em entrevista à rede ABC, Myeshia Johnson, que perdeu o marido num ataque do Estado Islâmico a forças locais e dos Estados Unidos no Níger há três semanas, deu novo fôlego a mais uma polêmica que abala a Casa Branca.

Logo depois que a entrevista foi ao ar, na manhã desta segunda (23), na primeira manifestação pública da viúva desde a confirmação da morte dos militares, Trump reagiu às acusações num tuíte. "Eu tive uma conversa respeitosa com a viúva do sargento La David Johnson e falei seu nome desde o início, sem hesitação", disse o presidente.

Sua versão, no entanto, contrasta com outros relatos.

No carro com a viúva quando Trump fez a ligação, a deputada Frederica Wilson, uma democrata da Flórida, ouviu a conversa e disparou, na semana passada, a mais nova onda de críticas ao presidente ao revelar detalhes de seu discurso. Trump teria dito a Myeshia que o soldado "sabia no que se alistara, mas quando isso acontece, dói".

Wilson criticou o presidente por faltar com respeito à família da vítima e disse que a emboscada no Níger seria o "Benghazi de Trump", alusão ao ataque na cidade líbia que matou quatro funcionários diplomáticos dos EUA, inclusive um embaixador, em 2012.

O presidente rebateu a congressista, a quem chamou de "maluca", numa série de tuítes ao longo dos últimos dias, dizendo que ela havia inventado o diálogo e que ouviu a conversa "muito pessoal" sem autorização.

Myeshia Johnson afirmou, no entanto, que o relato da deputada estava "100% correto" e que não haveria motivos para que inventassem uma outra versão dos fatos.

O episódio tem um peso ainda maior pelo fato de La David Johnson ser o único negro entre os quatro militares mortos –não houve questionamentos sobre a conversa do presidente com parentes de outras vítimas do ataque.

A viúva, grávida de seis meses do terceiro filho do casal, pediu detalhes do governo sobre as circunstâncias da morte. O corpo do sargento foi achado horas depois a mais de um quilômetro dos demais, sublinhando uma série de dúvidas sobre a ação no Níger, onde há agora mil militares americanos.

"Quando vieram à minha casa, só disseram que houve uma troca de tiros e que ele morreu", disse Myeshia. "Toda vez que pedi para ver meu marido, diziam que eu não poderia ver o corpo. Não me deixaram ver. Não sei o que está dentro daquela caixa."

Departamento de Defesa dos EUA/Reuters
U.S. Army Sergeant La David Johnson, who was among four special forces soldiers killed in Niger, West Africa on October 4, 2017, poses in a handout photo released October 18, 2017. Courtesy U.S. Army Special Operations Command/Handout via REUTERS ATTENTION EDITORS - THIS IMAGE WAS PROVIDED BY A THIRD PARTY. ORG XMIT: TOR235
O sargento La David Johnson, 25, morreu em uma operação militar americana no Níger em 4 de outubro

LIGAÇÕES ÀS PRESSAS

Outra questão levantada é que a gafe mais recente de Trump vem no rastro de uma crítica que ele fez a Obama e outros presidentes numa entrevista na semana passada, quando disse que ele havia ligado para as famílias de "praticamente" todos os mortos em combate desde a posse.

Sua afirmação foi logo desmentida por uma reportagem do site Roll Call, segundo a qual logo depois da entrevista assessores da Casa Branca pediram uma lista de mortos neste ano e contatos de suas famílias às Forças Armadas.

Desde o início da polêmica entre Trump e as famílias militares, a equipe do presidente tem feito tentativas de conter os estragos, entre elas um discurso emocionado de seu chefe de gabinete, John Kelly, que defendeu o teor de sua fala e contou que havia aconselhado o republicano.

Kelly, que é general da reserva, perdeu um filho em combate no Afeganistão e pareceu, no primeiro momento, reverter os danos do episódio.

Mas o fim de semana reacendeu a controvérsia com uma entrevista de John McCain, senador republicano veterano da Guerra do Vietnã, que criticou o fato de os ricos nos EUA nunca irem à guerra, às vezes por motivos banais de saúde, numa alusão a como Trump evitou o Vietnã quando jovem.


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