Folha de S. Paulo


Indígenas venezuelanos se espalham pela Amazônia e já chegam a Belém

Em busca de dinheiro para financiar comida e medicamentos a seus parentes na Venezuela, indígenas da etnia warao, que começaram a chegar ao Brasil nos últimos meses do ano passado, estão deixando abrigos em Manaus para se arriscarem nas principais cidades do Pará.

Em Belém, onde começaram a chegar em junho, há 70 waraos, dos quais 40 acampados no mercado Ver-o-Peso, no centro. Ali, saem para pedir dinheiro ou passam o dia sob árvores. À noite, dormem nas barracas fechadas. Um bebê morreu depois de contrair pneumonia.

Há também em torno de 40 waraos em Santarém (PA), onde estão em um espaço cedido pela Igreja Católica.

"É necessário que o poder público tome uma atitude urgente. Estão em situação de rua, e está se agravando", diz a antropóloga Marlise Rosa, doutoranda da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Rosa, que está em Belém, afirma que os waraos têm sido vítimas de roubos frequentes e de ofensas xenófobas. A região tem considerável população de rua e à noite é ponto de consumo de drogas.

Por outro lado, há 237 waraos em Manaus, segundo números da Secretaria de Justiça do Amazonas —em meados deste ano, o número chegou a cerca de 600.

Segundo waraos ouvidos pela Folha na cidade, o motivo da ida ao Pará é que, ao mesmo tempo que as condições melhoraram na capital do Amazonas, ficou mais difícil arrecadar dinheiro para levar ajuda a familiares, principalmente por causa da diminuição das doações.

"Aqui tem comida três vezes ao dia, medicamento", diz Freddy Cardona, 30, que vive em um grande abrigo do governo estadual com capacidade para 300 pessoas, onde atualmente há 128.

"O problema é que, antes, muita gente dava ajuda. Isso acabou", completa, ao explicar por que sua mãe, cunhada e dois primos foram de Manaus a Belém de barco, uma viagem de cinco dias.

No início do ano, os waraos estavam acampados ao lado da rodoviária de Manaus, sob um grande viaduto, e em casas semiabandonadas no centro da cidade. Na época, cinco indígenas morreram, dos quais três crianças.

As condições precárias comoveram os moradores da cidade. Muitos paravam ali para deixar alimentos, dinheiro e roupas. Com a mudança para os abrigos e a percepção de que o problema foi resolvido, essa ajuda minguou.

Os waraos afirmam que a situação das comunidades na Venezuela está cada vez mais crítica devido ao desabastecimento, ao custo dos alimentos e à falta de remédios. Estimados em 49 mil pessoas, vêm do Delta Amacuro (nordeste do país, a cerca de 1.800 km de Manaus por estrada).

Em 22 de setembro, dois waraos foram mortos a tiros pela polícia durante um protesto em que pediam comida. Outros três saíram feridos a bala. Nesta sexta (20), dez policiais foram presos.

Para ajudar parentes que ficaram, waraos viajam de Boa Vista (RR), Manaus e Belém até suas comunidades, onde deixam comida, roupas e remédios, e voltam com peças de artesanato ou fibra de buriti para produzi-las.

BARRADOS NO ABRIGO

A mobilidade dos waraos, porém, está gerando atritos com a administração do abrigo de Manaus, que não permite a reunificação familiar dos que voltam do Pará.

Na quinta (19), dois waraos abandonaram o abrigo depois que seus parentes foram barrados. Rosa coletou o relato de uma mulher e duas crianças que voltaram a Manaus após seis dias de viagem, mas não puderam entrar.

"Não entendemos essa regra", diz Cardona, que não sabe o que fará quando seus parentes vierem de Belém. "Nas nossas comunidades, podemos passar seis anos fora e voltamos tranquilamente. Agora não sei por que no Brasil não podemos fazer isso."

A administração do abrigo, sob responsabilidade da Secretaria da Assistência Social do Amazonas, informou que segue um fluxograma de trabalho acordado com o Ministério Público Federal segundo o qual só os waraos que chegam diretamente da Venezuela podem ser acolhidos.


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