Folha de S. Paulo


Google publica anúncios de notícias falsas em sites de checagem de fatos

Raphael Satter - 2.dez.2016/Associated Press
Reproduções de tela do site de notícias falsas USA Daily News, registrado na Macedônia

As manchetes são chamativas. Melania Trump está deixando a Casa Branca! A estrela das reformas de casas na TV a cabo Joanna Gaines abandonou seu programa na HGTV e o marido, Chip Gaines! O tele-evangelista Joel Osteen está deixando sua mulher!

Nenhuma dessas histórias era verdadeira. No entanto, no fim de semana passado, eram promovidas com anúncios destacados publicados pelo Google nos sites PolitiFact e Snopes, criados exatamente para verificar fatos e dissipar essas mentiras.

Segundo uma análise do "New York Times", os títulos atraentes serviam de isca para levar leitores a sites fraudulentos que se disfarçavam de sites de notícias da corrente dominante, como People e Vogue.

Os anúncios de notícias falsas funcionavam todos do mesmo modo: exibiam títulos no topo dos sites de verificação de fatos que, uma vez clicados, levavam os leitores para sites que imitavam os logotipos e o layout das páginas de publicações legítimas.

As reportagens falsas começavam com títulos e grandes fotos das celebridades em questão, mas depois de algumas sentenças se transformavam num anúncio de creme contra rugas.

Os editores falsos usavam o sistema AdWords do Google para colocar os anúncios em sites que se encaixavam em seus amplos parâmetros, embora não esteja claro por que eles visavam especificamente os sites de verificação de fatos. Que os sistemas do Google conseguissem colocar anúncios de notícias falsas em sites dedicados a defender a verdade é um reflexo de como o gigante de buscas na internet continua sendo usado para disseminar informações erradas.

A questão esteve em destaque para muitas empresas de internet, com Facebook, Twitter e Google sendo questionados sobre se seus sistemas de anúncios automáticos podem ter sido utilizados pelos russos para difundir mensagens polarizadoras, falsas e explosivas.

Os anúncios em Snopes e PolitiFact mostram que o problema da desinformação online pode ser enorme, disse David Letzler, cientista pesquisador na Impact Radius, uma firma de inteligência de marketing digital. "Até os sites cuja missão é promover a veracidade podem inadvertidamente ser usados por charlatães", disse ele.

O Google não quis explicar os detalhes de como os anúncios de notícias falsas apareceram nos sites de verificação de fatos. As contas que anunciaram em Snopes e PolitiFact foram encerradas pela plataforma de publicidade do Google depois que o "Times" perguntou sobre elas, segundo uma pessoa informada sobre os sites que pediu para permanecer anônima porque os detalhes eram confidenciais.

"Como sempre, quando encontramos práticas de publicidade enganosas em nossas plataformas, nós agimos rápido para adotar medidas, inclusive para suspender a conta do anunciante se for o caso", disse em um comunicado uma porta-voz do Google, Chi Hea Cho. "Além disso, damos aos editores controles para que eles possam bloquear tipos específicos de anúncios e anunciantes."

MÃOS ATADAS

Quando alertados que anúncios promoviam histórias inverídicas em seus sites, Snopes e PolitiFact disseram que não podiam fazer muita coisa. O AdSense da Google, que é usado por editores da web para vender publicidade exibida em seus sites, funciona com ferramentas automatizadas. Muitas vezes, os anunciantes não têm certeza se seus anúncios estão sendo exibidos –às vezes, ao lado de conteúdo inadequado ou ofensivo–, e os donos dos sites não sabem que anúncios vão aparecer em suas páginas.

Vinny Green, coproprietário e vice-presidente do Snopes, disse que tentou filtrar reclames enganosos dentre os 150 milhões de anúncios exibidos no site no mês passado. Mas só foi até aí.

"Temos pouca supervisão ou controle direto do que está sendo feito para filtrar anúncios de notícias falsas publicados em nosso site", disse ele, em um e-mail. Green acrescentou que o ecossistema de anúncios online foi cúmplice em disseminar e lucrar com a desinformação e que "esses problemas de qualidade dos anúncios são sistêmicos".

Aaron Sharockman, diretor-executivo do PolitiFact, disse que está trabalhando com o Google para remover os "anúncios de texto questionável" de seu site.

"A receita desses anúncios é crítica para financiar um site como o nosso, mas é igualmente importante fazermos o possível para garantir que os anúncios que aparecem em nosso site não sejam mentirosos ou intencionalmente enganosos", afirmou.

O Google, que vende mais anúncios online que qualquer outra firma tecnológica, esforçou-se para evitar que sites fraudulentos ganhassem dinheiro com a disseminação de histórias falsas. No início deste ano, a empresa divulgou seus esforços para reprimir os sites de desinformação, expulsando 340 sites da web e 200 editores de sua plataforma AdSense.

A maioria desses editores havia criado sites para oferecer reportagens políticas atraentes mas inverídicas, e carregava as páginas para conseguir uma parte da receita de publicidade do Google.

Mas os sites que anunciavam em Snopes ou em PolitiFact tinham uma abordagem diferente. Esses editores pagavam ao Google para promover seu conteúdo em sites legítimos, para atrair tráfego para um anúncio que fingia ser uma reportagem, muitas vezes levando o cabeçalho de uma publicação da grande mídia.

O Google chamou esse processo de "tabloid cloaking" [algo como "disfarce de tabloide"]. Ele disse que esse tipo de fraudador usa temas do momento e anúncios feitos para parecerem novas manchetes de sites. O Google disse que suspendeu mais de 1.300 contas de anunciantes em 2016 por disfarce de tabloide. Neste mês, o Google disse que adotou controles adicionais para ajudar os editores a filtrar anúncios sensacionalistas ou de tabloides.

PolitiFact e Snopes estão entre os mais influentes e populares sites de verificação de fatos. O Snopes foi criado em 1994 para denunciar lendas urbanas, mas desde então evoluiu para uma operação de 16 pessoas que também avalia influência política.

O PolitiFact, lançado em 2007 como um serviço do "Tampa Bay Times", ganhou um prêmio Pulitzer por seu trabalho durante a eleição presidencial de 2008 e tem 14 filiais estaduais, além de uma operação nacional.

Tanto o PolitiFact como o Snopes se associaram ao Facebook em dezembro, depois que a rede social foi criticada por apoiar a disseminação de notícias falsas durante a eleição presidencial de 2016. Seu experimento –em que postagens virais e populares expostas pelos verificadores de fatos são marcadas como "duvidosas" e não podem ser promovidas em feeds de notícias– se expandiu e tornou-se mais agressivo em agosto.

O Google também tentou atacar a desinformação. O Jigsaw, sua incubadora tecnológica, desenvolveu a ferramenta "Share the Facts" [compartilhe os fatos] com o Laboratório de Repórteres da Universidade Duke.

tradução de LUIZ ROBERTO MENDES GONÇALVES


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