O acordo entre as facções palestinas Fatah e Hamas, anunciado nesta quinta-feira (12), é um avanço considerável. Em especial para a população palestina, prejudicada pela fricção política desde 2007.
Mas é razoável manter o cinismo e evitar, por ora, embelezar as negociações com palavras como "históricas".
Quando Fatah e Hamas tentaram se reconciliar em 2011, por exemplo, o líder palestino Mahmoud Abbas disse: "Viramos a página negra da divisão para sempre". Mas a página se desvirou, naquele ano e em outros.
Foram diversas as tentativas de encontrar um meio-termo entre as facções, e os mesmos desafios ameaçam os acordos desta semana.
Uma das questões fundamentais é o improvável desarmamento do Hamas. O governo do Fatah só incluirá a facção rival dentro de seus ministérios caso aceite desmobilizar os 25 mil homens armados em suas fileiras.
A presença desses militantes no governo conjunto da Cisjordânia e de Gaza teria sérias implicações nas relações dos palestinos com Israel e EUA, que consideram o Hamas uma organização terrorista.
As armas também desencorajariam os doadores internacionais, cuja verba hoje é essencial para a manutenção do frágil governo palestino.
Outro grave empecilho é a distância entre as ideologias dessas facções, agravada durante uma década de atritos, e também o espaço entre as duas populações que têm sido governadas por elas.
Palestinos em Gaza, sob o mando do Hamas, viram seu território se tornar cada vez mais conservador. A facção tentou impôr o véu às mulheres e separar meninos e meninas dentro da escola, por exemplo, além de ter perseguido homossexuais.
Não que a Cisjordânia seja um bastião da liberdade individual -jornalistas são detidos ali por criticar o governo do Fatah-, mas existe bastante mais autonomia.
O cinismo diante do acordo entre as facções tem ainda uma terceira motivação: os interesses de quem mediou sua reaproximação.
As negociações foram realizadas no Cairo, em um momento em que o presidente Abdel Fattah al-Sisi está isolado internacionalmente.
Para devolver o Egito ao mapa-múndi da geopolítica, Sisi se esforçou em empurrar as fichas do Qatar e de Turquia para fora do tabuleiro. Esses dois países foram tradicionalmente os mediadores no conflito entre palestinos.
Mas o mesmo Cairo que está apoiando a reconciliação é, em parte, responsável pelas disputas. O Egito, afinal, fechou nos últimos anos as passagens ao sul de Gaza e destruiu os túneis ilegais cavados pelo Hamas.
Com isso, estrangulou a economia do território, um papel que nem os políticos nem a população já esqueceram.