Folha de S. Paulo


EUA anunciam que vão deixar Unesco em dezembro

Philippe Wojazer - 4.out.2017/Reuters
Sede da Unesco em Paris
Sede da Unesco em Paris

Os Estados Unidos anunciaram nesta quinta-feira (12) que vão se retirar da Unesco, a agência cultural da ONU, por causa do "viés anti-Israel" da entidade e por motivos financeiros.

"Essa decisão reflete a preocupação dos EUA com o acúmulo de seus pagamentos atrasados para a entidade, a necessidade de uma reforma fundamental na agência e um sistemático viés anti-Israel."

Algumas horas depois do comunicado, o primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, anunciou que seu país também deixaria a Unesco, conhecida sobretudo por seu programa de Patrimônio Mundial, mas também incumbida de proteger a liberdade de imprensa e de promover a educação sexual e a igualdade de gênero no mundo.

A decisão entra em vigor no dia 31 de dezembro de 2018. A partir dessa data, os EUA continuarão envolvidos na organização, mas apenas como não membros, sem direito a voto.

Trata-se de mais uma medida do governo Trump de repúdio ao multilateralismo –os EUA já anunciaram sua saída do acordo de Paris para o clima e da Parceria Transpacífico (TPP), além de ameaçarem se retirar do Nafta e rever o acordo nuclear com o Irã.

Os EUA já haviam "rompido" com a Unesco em 2011, quando a organização admitiu a Autoridade Palestina como membro. A legislação americana proíbe que o país contribua com agências que aceitem a Palestina em seus quadros. Desde então, o governo americano deixou de fazer suas contribuições, que respondem por 22% do total do orçamento da entidade, e acumulam dívida de US$ 542,6 milhões (até dezembro de 2016). Por causa da falta de pagamento, foram impedidos de votar em 2013.

Irina Bokova, diretora-geral da Unesco, lamentou a decisão. "No momento em que conflitos continuam a estraçalhar sociedades ao redor do mundo, é lastimável que os EUA se retirem da agência da ONU que promove educação pela paz e protege a cultura sob ataque", disse. "Isso representa uma perda para o multilateralismo."

Nos últimos anos, os conflitos entre EUA e a Unesco, por causa de Israel, se acirraram pouco a pouco.

Em 2016, em uma decisão que condenava "as escavações ilegais de Israel na Cidade Velha de Jerusalém", a Unesco se referiu à "Esplanada das Mesquitas", sem fazer menção à denominação hebraica para o lugar sagrado do judaísmo, "Monte do Templo".

Na época, Israel chegou a convocar para consultas seu embaixador junto à Unesco, para demonstrar a desaprovação pela medida.

Em julho deste ano, a Unesco declarou que a área da antiga cidade de Hebron, na Cisjordânia ocupada, é Patrimônio Mundial da Palestina, e não de Israel.

A embaixadora dos EUA na ONU, Nikki Haley, afirmou que a decisão era "uma afronta à história", além de desacreditar "uma agência da ONU que já é altamente questionável", nas palavras da diplomata.

Segundo levantamento da UN Watch, uma ONG crítica à ONU, entre 2009 e 2014, a Unesco adotou 46 resoluções contra Israel, 1 contra a Síria e nenhuma contra Irã ou Coreia do Norte.

"A decisão de hoje é um ponto de inflexão para a Unesco. As absurdas e vergonhosas resoluções contra Israel da agência têm consequências", disse Danny Danon, embaixador israelense na ONU.

É a segunda vez que os EUA se retiram da Unesco. Em 1984, em plena Guerra Fria, o então presidente Ronald Reagan tirou o país da entidade alegando que "as decisões da agência adquiriram um viés político de esquerda, e [que] ela também é financeiramente irresponsável".

O ex-presidente George W Bush levou o país de volta para a agência, em 2003.

A Unesco está no meio do processo de eleição de seu próximo diretor-geral.

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Relação Turbulenta

EUA e Israel têm histórico de atritos com a Unesco

1946
Unesco (agência da ONU para a Educação, a Ciência e a Cultura) é fundada com apoio dos Estados Unidos

1984
Republicano Ronald Reagan tira o país da organização por considerar que ela atuava com viés pró-União Soviética

2002
EUA voltam a participar da entidade durante o governo do republicano George W. Bush

2011
Obama corta contribuições em resposta a reconhecimento da Palestina como membro; EUA perdem direito a voto

2016
Unesco aprova resolução crítica a ações do governo israelense na Cidade Velha de Jerusalém

2017
Unesco declara Hebron e dois santuários adjacentes como "patrimônio cultural ameaçado da Palestina"


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