Folha de S. Paulo


Grupos rivais palestinos Fatah e Hamas fazem acordo de reconciliação

Suhaib Salem/Reuters
Palestino na faixa de Gaza celebra o acordo entre Fatah e Hamas
Palestino na faixa de Gaza celebra o acordo entre Fatah e Hamas

Um histórico acordo de reconciliação entre o partido Fatah e o grupo islâmico Hamas –ferrenhos rivais políticos– foi firmado nesta quinta-feira (12) no Cairo, Egito, e pode colocar um ponto final em uma década de rivalidade, violência e divisão interna na política palestina, que, para muitos, minaram as chances de negociações de paz com Israel e ajudaram a empobrecer a faixa de Gaza.

Os detalhes estão sendo divulgados aos poucos. Um deles dá conta de que, até 1º de novembro, o Hamas transferirá o controle de todos os postos de fronteira de Gaza ao novo governo de união nacional palestino e que a Guarda Nacional do presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, será deslocada para supervisionar esses postos.

Também segundo as primeiras informações, até 1º de dezembro o controle administrativo de Gaza será entregue totalmente ao um novo governo de união nacional.

Muitos pontos, no entanto, ainda estão em aberto, como, por exemplo, o status do braço armado do Hamas, com seus 25 mil combatentes, e o futuro dos 50 mil servidores públicos que foram empregados pelo Hamas desde 2007.

"É preciso acabar com esse capítulo de divisão de uma vez por todas para unificar os esforços do povo palestino com toda a força", disse Azzam al-Ahmed, líder da delegação do Fatah ao Cairo.

O presidente palestino emitiu nota agradecendo o presidente do Egito, Abdel Fatah al-Sisi, pelo envolvimento na costura do acordo. A expectativa é de que Abbas visite Gaza pela primeira vez em uma década. A visita deve acontecer nas próximas semanas.

"Vamos implementar toda a nossa força na questão da reconciliação para que seja a pedra fundamental e um ponto de partida para que lutemos juntos frente à entidade sionista [Israel]", afirmou Saleh al-Arouri, chefe da delegação do Hamas ao Cairo.

COMUNICADO DE ISRAEL

Em nota, o escritório do primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, reagiu afirmando que Israel se opõe a uma reconciliação que não inclua "o desarmamento do Hamas e o reconhecimento de Israel pelo grupo". O comunicado também exige que a Autoridade Palestina previna atividades terroristas do Hamas na Cisjordânia.

"Toda e qualquer reconciliação entre a Autoridade Palestina e o Hamas deve incluir o cumprimento de acordos internacionais e das condições do Quarteto [grupo que inclui EUA, ONU, UE e Rússia], principalmente reconhecimento de Israel e a desarmamento do Hamas", diz a nota. "A contínua construção de túneis, a fabricação de mísseis e a atividade terrorista são contrárias às condições do Quarteto e as esforços do EUA em renovar o processo de paz."

O comunicado ainda exige que o Hamas devolva os corpos de dois soldados mortos no conflito de 2014 e liberte dois civis israelenses aprisionados em Gaza.

DIVISÃO

O Fatah e o Hamas disputam os corações e mentes dos palestinos. Enquanto a OLP (Organização para Libertação da Palestina), à qual o Fatah é ligado, reconheceu em 1994 o Estado de Israel e prega a criação de dois Estados para dois povos vivendo lado a lado na região, o Hamas não reconhece Israel e prega a luta armada para destruir o país.

Enquanto a OLP, através do Fatah, do presidente palestino Mahmoud Abbas, governa os cerca de 2,5 milhões de palestinos da Cisjordânia, o grupo islâmico Hamas controla os 2 milhões de habitantes de Gaza.

Em 2007, uma violenta batalha entre Hamas e Fatah deixou mais de 600 mortos em Gaza e resultou na expulsão de ativistas e autoridades do Fatah do território. Desde então, houve diversas tentativas de reconciliação, a mais recente em 2014. Mas todas falharam ou nem saíram do papel.

Esse acordo também pode fracassar caso os dois lados não cheguem a um consenso quanto ao futuro do braço armado do Hamas, que conta com cerca de 25 mil combatentes. A liderança do Hamas anunciou que não vai confiscar suas armas.

O principal comandante do grupo, Ismail Haniyeh, afirmou, há alguns dias, que seu povo tem o "direito de resistir" enquanto houver "ocupação" do território palestino –o que, para o Hamas, inclui cidades reconhecidas como parte de Israel pela comunidade internacional como Tel Aviv e Haifa.

Mas o presidente Abbás já disse que não aceitará o "modelo libanês", se referindo à guerrilha Hizbullah, que mantém força paramilitar, com financiamento iraniano, no sul do país.

ANSIEDADE

"O Fatah e o Hamas aceitaram esse acordo para colocar um fim à divisão entre os palestinos, mas, por outro lado, há uma ansiedade sobre se isso vai ajudar de alguma forma na saída de Israel dos territórios ocupados, numa eventual declaração de independência e na libertação de Jerusalém Oriental", disse o comentarista palestino Marwan Bishara à rede de TV Al Jazeera. "Todos têm interesse na estabilidade da Palestina e na contenção do Hamas em Gaza."

Se a reconciliação for adiante, ela pode ajudar na reabilitação do território, que enfrenta uma crise econômica e social cada vez mais aguda. O desemprego passa dos 50%, os serviços básicos de água e esgoto são falhos e só há energia elétrica nas casas por três horas diárias.

Sem o Hamas no governo, doadores internacionais que o consideram terrorista (EUA, União Europeia, Egito, Israel e outros) poderão retomar doações diretas para a região.

Tanto Israel quanto o Egito limitam a entrada e saída de moradores e produtos de Gaza desde que o Hamas tomou o controle da região.

O Egito –que acusa o Hamas de, entre outras coisas, incitar violência no deserto do Sinai, cometendo ou inspirando ataques contra tropas do exército egípcio– poderá reabrir a principal fronteira terrestre de Gaza, fechada há três anos.

Israel também poderá reavaliar e aliviar o fechamento de suas fronteiras com Gaza. Hoje, há entra e sai de produtos, mas limitado. Os israelenses se retiraram do território totalmente em 2005, mas entraram em confronto com o Hamas por três vezes na última década depois que o grupo islâmico atirou mais de 11 mil foguetes contra o país.


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