Folha de S. Paulo


Frustração e fúria de Trump rompem alianças e ameaçam agenda

Evan Vucci/AP
Donald Trump durante reunião na Casa Branca nesta terça (10)
Donald Trump durante reunião na Casa Branca nesta terça (10)

Frustrado com seu gabinete e irritado por não ter recebido crédito suficiente por sua gestão de três furacões em sequência, o presidente Donald Trump está dando chicotadas, rompendo alianças e pondo em risco sua agenda legislativa, segundo autoridades da Casa Branca e assessores externos.

Em questão de dias, Trump incendiou pontes por todo lado; quase implodiu um acordo com os democratas para proteger os jovens imigrantes sem documentos levados para os EUA quando crianças; e mergulhou nas guerras de cultura sobre questões que vão do controle da natalidade ao hino nacional.

Ao fazê-lo, Trump está trabalhando para solidificar sua posição junto à base populista e voltar ao conforto de sua campanha –especialmente depois da embaraçosa derrota do senador Luther Strange na eleição especial do mês passado no Alabama, apesar de o presidente ter viajado até lá para apoiá-lo.

A brutal avaliação do senador Bob Corker sobre a adequação de Trump ao cargo –advertindo que seu comportamento insensato poderá lançar o país "no caminho da Terceira Guerra Mundial"– também caiu como um trovão dentro da Casa Branca, onde os assessores temiam um possível efeito cascata entre outros republicanos no Capitólio.

Depois de uma revoada de insultos no Twitter entre Trump e Corker, um republicano do Tennessee que preside a Comissão da Relações Exteriores do Senado, poucos líderes republicanos saíram em defesa do presidente na segunda-feira –embora poucos também tenham se aliado a Corker. O mais veemente defensor de Trump foi o vice-presidente Mike Pence.

Nos últimos dias Trump mostrou laivos de fúria e deixou seus assessores, incluindo o chefe de Gabinete da Casa Branca, John Kelly, em dificuldade para administrar seus rompantes. Ele ficou particularmente frustrado com o secretário de Estado, Rex Tillerson, que teria chamado o presidente de "idiota", segundo se soube na semana passada.

A tirada de Trump no Twitter domingo de manhã contra Corker apanhou os funcionários de surpresa, embora o presidente tivesse resmungado sobre o comentário do senador, alguns dias antes, sobre Trump causar um "caos" que põe a nação em risco.

Um confidente de Trump comparou o presidente a uma chaleira assobiando, dizendo que quando ele não solta o vapor pode se transformar em uma panela de pressão e explodir. "Acho que estamos no território da panela de pressão", disse essa pessoa, que pediu o anonimato para falar com franqueza.

Esse retrato do presidente cada vez mais isolado na capital se baseia em entrevistas com 18 autoridades da Casa Branca, assessores externos e outras pessoas ligadas a Trump.

Em um e-mail não solicitado pela imprensa, no final da tarde de segunda, o escritório de Pence emitiu uma resposta ampla em nome do vice-presidente, abordando "críticas ao presidente". A declaração lamentava "retórica vazia e ataques sem fundamento" contra Trump, enquanto elogiava sua condução das ameaças globais, dos terroristas do Estado Islâmico à Coreia do Norte.

"É isso a liderança americana no palco global, e nenhum volume de críticas internas poderá diminuir esses resultados", concluiu a declaração.

Mas as palavras de Pence pouco fizeram para tranquilizar alguns aliados de Trump, que temem que a disputa do presidente com Corker possa causar mais problemas para o governo e agravar as relações no Capitólio.

Um fiel a Trump –notando que Corker tem muito mais amigos no Senado que o presidente– disse que a rixa poderá eliminar as possibilidades da reforma fiscal e outras leis importantes. "Sua Presidência pode estar condenada", disse essa pessoa, sob a condição do anonimato.

"Estamos assistindo à lenta ruptura do Partido Republicano, e Trump está fazendo o que pode para acelerá-la", disse Patrick Caddell, um pesquisador veterano que trabalhou com Stephen Bannon, o ex-estrategista-chefe de Trump que hoje dirige o site conservador Breitbart News.

"Trump está firmemente se colocando do lado de fora, tentando se tornar um presidente quase independente", disse Caddell. "Ele sabe que muita gente estará ao seu lado, que ele se ajuda quando não é visto como o presidente republicano. Mas e seu programa? Essa é a questão –e possivelmente o custo do que ele está fazendo."

Na Casa Branca, a reação aos comentários de Corker foi mista. Alguns assessores de Trump acreditam que é perigoso ele brigar com Corker, o presidente de uma poderosa comissão do Senado que não está disputando a reeleição e portanto sente que não tem nada a perder.

Outros assessores de Trump culpam Corker pelo que consideram um ato de traição, afirmando que ele começou a disputa na tentativa de obter relevância, como um legislador em fim de mandato. Eles também acusam Corker de hipocrisia, comentando que ele era simpático a Trump e não manifestou preocupações com seu estilo de liderança quando pensou que poderia ser escolhido para vice-presidente ou secretário de Estado.

Christopher Ruddy, executivo-chefe da Newsmax e amigo de Trump, disse: "Donald Trump nunca corta relações de verdade. Sempre há um diálogo. E com Corker esse não é o fim da conversa. Trump vê os relacionamentos como negociações, e é nisso que eles estão".

Muitos na Casa Branca dizem apreciar a estrutura disciplinada que Kelly implementou, mas deixou Trump sem conversas fluidas com a equipe e gente de fora que ele passou a apreciar. Esses rostos familiares muitas vezes animaram o humor de Trump e lhe deram um feedback seguro, mesmo que às vezes interferissem com o funcionamento do governo.

Trump também está sem seu antigo ajudante de campo e ex-chefe da segurança, Keith Schiller, que deixou o cargo de diretor de Operações do Salão Oval da Casa Branca neste outono. Schiller foi uma constante ao lado de Trump durante anos e hábil para acalmar seus maus humores. Sua ausência deixou Trump com poucos pares de sua geração com quem ele se sente à vontade para ventilar sobre sua equipe ou seus adversários, ou apenas falar sobre esportes, segundo alguns amigos do presidente.

Enquanto isso, Trump vem buscando conselhos regularmente de amigos fora do governo, entre eles o investidor Thomas Barrack, que dirigiu sua posse presidencial.

Entre alguns no círculo de Trump, Barrack foi cogitado como possível substituto de Kelly, se as tensões entre o presidente e seu principal assessor ficarem insustentáveis. Mas pessoas que conhecem o pensamento de Barrack disseram que ele sente que pode servir melhor a Trump como amigo e assessor externo do que como membro da equipe da Casa Branca.

Trump não deu indícios públicos de que esteja cogitando mais uma mudança, e no fim de semana cobriu Kelly de elogios.

"John Kelly é uma das melhores pessoas com quem já trabalhei", disse Trump a repórteres no sábado (7). "Ele está fazendo um trabalho incrível, e ele me disse nos últimos dois meses que gosta disso mais que de qualquer coisa que já fez... ele ficará aqui, na minha opinião, pelos sete anos inteiros que lhe restam."

Mas Trump está enfrentando ventos políticos de frente, incluindo de sua base. A primária para o Senado do Alabama no mês passado, em que um candidato de extrema-direita derrotou um republicano mais do establishment que o presidente apoiou, serviu como advertência para a equipe de Trump, salientando o risco que ele poderá correr se alienar o núcleo de apoiadores que ajudaram a levá-lo à vitória eleitoral.

O próprio presidente comentou com vários assessores da Casa Branca preocupações sobre sua popularidade com a "minha gente" –sua base. Ele culpa o "establishment" republicano e outros por não conseguir implementar sua agenda e fazê-lo parecer frágil, e não está contente com a derrota no Alabama, segundo pessoas inteiradas das deliberações na Casa Branca.

COMÍCIO

Trump também fez saber a várias pessoas que desejava fazer um comício na Carolina do Norte no fim de semana, e não apenas captar fundos –mas ao final ele só foi ao evento e passou apenas duas horas em Greensboro. Trump queixou-se de que desejava ter voltado a encarar as multidões ruidosas que ele adora, segundo essas pessoas.

"Donald Trump foi eleito com o apoio das minorias do eleitorado americano, e a maior parte de seus esforços até agora se concentraram em energizar e solidificar os 40% dos americanos que estavam com ele, principalmente atacando os 60% que não estavam", disse o pesquisador republicano Whit Ayres. "Isso é ótimo para seus apoiadores, mas torna muito difícil realizar qualquer coisa em uma democracia."

O cálculo político de Trump é complicado pelo retorno de Bannon a seu papel anterior no leme da Breitbart. Hoje trabalhando para promover uma agenda nacionalista de fora do governo, Bannon prometeu guerra contra qualquer legislador republicano que ele considere insuficientemente conservador ou deixe de promover a agenda que ele e Trump traçaram durante a campanha.

Bannon está ativamente recrutando candidatos republicanos para as primárias em quase todas as disputas ao Senado em 2018, procurando candidatos capazes de derrotar republicanos que ele considera "establishment" demais e salientar as posições do presidente sobre temas como imigração e comércio.

O esforço da Casa Branca para atrair de volta a ala populista do partido depois da derrota na primária no Alabama foi misto. Quando assessores de Trump procuraram redatores da Breitbart no domingo para destacar uma lista de princípios de imigração linha-dura que o governo acabava de divulgar, houve pouco entusiasmo pelo gesto da Casa Branca e ceticismo sobre o compromisso de Trump de combater a imigração ilegal, segundo duas pessoas inteiradas das conversas.

Até a família Trump se tornou um ponto de interesse. Na segunda-feira, a primeira e a terceira mulheres do presidente –Ivana e Melania, respectivamente– envolveram-se em uma discussão pública.

Em uma entrevista ao programa "Good Morning America" da rede de televisão ABC, para promover seu novo livro, "Raising Trump" [Criando Trump], Ivana Trump, mãe dos três primeiros filhos do presidente, disse: "Eu sou basicamente a primeira mulher de Trump. Certo? Eu sou a primeira-dama".

A verdadeira primeira-dama, Melania Trump, não deixou o deslize sem resposta. Sua porta-voz na Casa Branca, Stephanie Grisham, emitiu um comunicado rejeitando os comentários de Ivana como "vontade de chamar a atenção e fazer barulho a seu favor".


Tradução de LUIZ ROBERTO MENDES GONÇALVES


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