Folha de S. Paulo


Repórteres dos EUA tentam distinguir o que Trump fala do que ele faz

Repórteres de política, David Fahrenthold, do "Washington Post", e Ryan Lizza, da revista semanal "The New Yorker", veem armadilhas e oportunidades na cobertura do governo de Donald Trump. Eles estão no Brasil para o Festival Piauí GloboNews de Jornalismo, em São Paulo, neste fim de semana.

"É um tempo muito estranho", descreve Fahrenthold. "O que Trump diz não é um bom indicador do que o governo Trump vai fazer."

Aaron P. Bernstein/Getty Images/AFP
O repórter do
O repórter do "Washington Post" David Fahrenthold discursa em evento em Washington em abril

Ele recebeu o prêmio Pulitzer neste ano por "reportagem de assuntos nacionais" ao revelar, em parte com ajuda de cidadãos comuns, por mídia social, que só parte das promessas de contribuição de caridade do então candidato republicano se confirmava.

"Para mim, a grande coisa sobre aquela cobertura é que Trump afirma que ele é a única fonte confiável de informações sobre ele mesmo, em caridade, quanto dinheiro tem, o que vem fazendo como presidente", diz o repórter.

"E eu procurei partir de outras fontes, achar informação objetiva que julgasse o que Trump realmente fez, em oposição ao que ele diz que fez. Acho que é uma forma eficaz de cobri-lo. Vital, agora que é o presidente."

Mais presente no dia-a-dia de Washington, Lizza descreve um governo cuja relação aparente com a imprensa é de abuso constante.

"O próprio presidente ataca os repórteres em termos extremamente pessoais, repetidamente", diz. "Isso é desconcertante, para um jornalista que cobre a Casa Branca. Somos chamados de inimigos do povo americano."

Mas na verdade a cobertura agora "é muito interessante", acrescenta Lizza: "É mais fácil do que foi cobrir George W. Bush ou Barack Obama. Tem muita gente no entorno de Trump, dentro e fora da Casa Branca, acessível aos jornalistas. São facções rivais produzindo vazamentos."

A divergência entre o que Trump fala e o que de fato acontece é problema, em especial, para outros governos.

"Um exemplo, no campo interno, é como ele disse que cancelaria a dívida de Porto Rico, e Wall Street desabou", diz Fahrenthold. "O governo depois veio a público e afirmou que não era o que ele queria dizer. Na Coreia do Norte, ele falou muitas coisas, mas aí os secretários não parecem dar sequência."

Lizza alerta, porém, que no caso coreano "é certamente possível que um erro de cálculo posso levar a uma catástrofe". Em muitas situações, afirma Fahrenthold, citando especificamente o Irã, "é difícil dizer para o país ignorar toda a conversa de Trump, porque é uma conversa que pode realmente atingi-lo".

A justificativa dada por Trump é que se trata de um método de negociação, para partir de posição extrema. "Mas a estratégia de falar muito e fazer pouco já causou danos de longo prazo", nas relações externas dos EUA.

Sobre notícias falsas e o que é possível fazer para combatê-las, Lizza diz, com frustração, que "quando você começava a pensar que as plataformas, como o Facebook, haviam compreendido o efeito corrosivo que têm no discurso público, elas mostram que não aprenderam nada".

Ele se refere ao destaque dado a notícias falsas nas horas que se seguiram ao ataque em Las Vegas. "Durante 'breaking news' [notícias de última hora], as plataformas são tomadas por manipulação e teorias de conspiração e não têm como corrigir."

Para Lizza, "já passou da hora de as plataformas se verem como mídia e atuarem com mais responsabilidade".

Quanto ao que os próprios jornalistas podem fazer para combater "fake news", Fahrenthold diz que é preciso aproveitar o momento de maior atenção do público à cobertura política e acentuar a diferença do jornalismo.

"Temos que pensar como escrevemos e ilustramos nossas reportagens, de forma a mostrar às pessoas o contraste. Nós mostramos as fontes, as pessoas falam, não é vago como em 'fake news'. Por outro lado, temos que ser cuidadosos para não espalharmos, nós mesmos, notícias falsas."

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Festival Piauí Globonews de Jornalismo
QUANDO: SÁBADO, DE 10 ÀS 21H20, E DOMINGO, DE 10H ÀS 19H20
ONDE: COLÉGIO DANTE ALIGHIERI (AL. JAÚ, 1.061, JARDIM PAULISTA, SÃO PAULO)
QUANTO: DE R$ 250 A R$ 750
MAIS INFORMAÇÕES piaui.folha.uol.com.br/festival-piaui


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