Folha de S. Paulo


Em resposta a plebiscito, Iraque suspende voos à região curda

Yasin Akgul/AFP
Passengers flying to Arbil wait to check-in for their flight at Ataturk International airport in Istanbul on September 28, 2017. All foreign flights to and from the Iraqi Kurdish regional capital Arbil will be suspended from the evening of September 29 on Baghdad's orders, its airport director said, following a controversial independence referendum. / AFP PHOTO / YASIN AKGUL ORG XMIT: 4728
Aeroporto de Irbil, capital da região autônoma curda, tem filas após anúncio de suspensão de voos

Centenas de passageiros tentavam embarcar no aeroporto de Irbil nesta quinta-feira (28) após o governo iraquiano ordenar a suspensão de voos que tivessem como origem ou destino os aeroportos na região curda, no norte do país.

Trata-se da primeira medida concreta de represália, após o plebiscito de independência realizado pelos curdos, cujo resultado, anunciado na quarta (27), foi majoritariamente pela secessão –92,73% dos votos.

Bagdá não reconheceu o pleito e se opõe a qualquer tentativa de independência dos curdos, que também enfrentam a oposição de outros países, como Turquia e Irã, onde há minorias curdas e temor de movimentos separatistas.

"Todos os voos internacionais de e para Irbil e Solimania - sem exceção - serão interrompidos a partir de sexta-feira (28), às 18h (12h, horário de Brasília), depois da decisão do Conselho de Ministros e do primeiro-ministro Haider al-Abadi", disse a diretora do aeroporto de Irbil, Talar Faiq Saleh.

Um funcionário de alto escalão da Aviação Civil em Bagdá afirmou que uma decisão será tomada em relação aos voos domésticos depois de sexta-feira.

Muitos estrangeiros se dirigiram ontem ao aeroporto de Irbil para deixar a região, por medo de ficarem bloqueados. Esses estrangeiros ingressam no Curdistão com um visto entregue pelas autoridades curdas que não é reconhecido por Bagdá e não podem, portanto, viajar pelo restante do Iraque.

A diretora do aeroporto de Irbil afirmou que a suspensão dos voos "não é uma boa decisão".

"Essa decisão não atinge apenas os curdos. Temos uma grande quantidade de refugiados que usam o aeroporto e éramos uma ponte entre a Síria e a ONU para enviar ajuda humanitária", disse Saleh.

"Também tínhamos aqui forças da coalizão (internacional contra os extremistas do Estado Islâmico), o que quer dizer que o aeroporto servia para tudo."

Delil Souleiman - 25.set.2017/AFP
A Syrian Kurdish girl flashes the victory gesture as she poses for a
Mulheres curdas tiram 'selfie' em celebração do plebiscito na cidade de Qamishli, na Síria

REPRESÁLIAS

Na quarta-feira (27), os deputados iraquianos votaram a favor do fechamento das fronteiras que se encontram fora da autoridade do Estado, ou seja, os quatro postos fronteiriços curdos com Turquia e Irã.

Também reiteraram o pedido de enviar o Exército para zonas sob disputa. Nenhuma dessas medidas foi adotada ainda.

Antes do anúncio da suspensão dos voos, o primeiro-ministro iraquiano, Haider al-Abadi, havia intimado o Governo Regional do Curdistão (GRC) a "entregar" seus dois aeroportos às autoridades centrais.

De acordo com Saleh, o Ministério iraquiano dos Transportes explicou que "entregar" os aeroportos às autoridades centrais significava "que todo pessoal de segurança, de imigração, de alfândega deve ser substituído por pessoal de Bagdá".

Ahmad Al-Rubaye - 25.set.2017/AFP
A picture taken on September 25, 2017 shows members of SWAT (Special Weapons and Tactics) security forces, affiliated to the Iraqi Interior Ministry, deploying in the streets of the northern city of Kirkuk during the vote on the Kurdish independence on September 25, 2017. The non-binding vote, initiated by veteran Kurdish leader Massud Barzani, has angered not only Baghdad, following which Iraq's federal parliament demanded that troops be sent to disputed areas in the north controlled by the Kurds since 2003, but also neighbours Turkey and Iran who are concerned it could stoke separatist aspirations among their own sizeable Kurdish minorities. / AFP PHOTO / AHMAD AL-RUBAYE ORG XMIT: 7490
Membros das forças armadas do Iraque patrulharam as ruas de Kirkurk durante a realização do plebiscito

A realização do plebiscito teve como objetivo pressionar o governo iraquiano a negociar a independência da região autônoma curda. Porém, em Bagdá, um funcionário de alto escalão do governo afirmou que não há contatos com Irbil.

"Não há qualquer negociação, nem secreta, com as autoridades curdas, até que declarem nulos os resultados do referendo e deixem sob controle de Bagdá os postos fronteiriços, os aeroportos e as regiões sob disputa".

Para Bagdá, uma secessão curda implicaria perda de território e de boa parte da produção de petróleo do país.

Os curdos reivindicam várias áreas que foram conquistadas pelos soldados peshmerga durante o combate ao Estado Islâmico (EI). Entre elas está Kirkuk, cidade produtora de petróleo com população árabe, cristã e turcomena, contrária ao domínio curdo.

Turkey's President Recep Tayyip Erdogan addresses a police academy graduation ceremony at his palace in Ankara, Turkey, Thursday, Sept. 28, 2017. Erdogan says Iraq's Kurdish region has
Recep Tayyip Erdogan, presidente da Turquia, condenou o plebiscito em discurso a policiais

REAÇÃO TURCA

Ancara disse nesta quinta que havia parado de treinar o Exército curdo em resposta ao plebiscito de independência.

Conhecidos como peshmerga, os soldados curdos fazem parte da linha de frente da campanha militar contra a organização terrorista Estado Islâmico, e eram treinados pelos soldados da Turquia, que é parte da Organização para o Tratado do Atlântico Norte (Otan), desde o fim de 2014.

Segundo um comunicado oficial iraquiano, o primeiro-ministro turco, Binali Yildirim, disse a Abadi que seu país apoia "todas as decisões iraquianas", citando aquela que se refere a "limitar as (operações) sobre as exportações de petróleo unicamente ao governo iraquiano".

Entre 550.000 a 600.000 barris extraídos no Curdistão iraquiano são exportados pelo terminal turco de Ceyhan (sul) por dia. Se a Turquia fechar esse terminal, o Curdistão se verá asfixiado. A economia da região depende quase que exclusivamente do petróleo.

A Turquia tem fortes laços com a região autônoma curda, mas se opõe fortemente a qualquer movimento de independência, por medo que os curdos presentes em seu território adotem iniciativas parecidas.

Ancara ameaçou usar a força e impor sanções econômicas à região, mas até o momento nenhuma medida foi anunciada.

Editoria de Arte/Folhapress
VAQUEM SÃO OS CURDOSCom uma população estimada em 30 milhões, eles vivem em uma região nas fronteiras de Turquia, Síria, Iraque e Irã

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