Folha de S. Paulo


'É como uma guerra': a corrida para tratar doentes e feridos em Porto Rico

O furacão Maria estava varrendo Porto Rico, e María Martínez Espada, 86, escorregou por causa de um vazamento de água em seu apartamento e quebrou a bacia.

Passada quase uma semana, os médicos do Hospital del Maestro ainda não haviam conseguido operá-la, por conta da escassez de suprimentos médicos.

"A dor é uma coisa horrível", disse Martínez, de seu leito no escaldante terceiro andar do hospital, cuja diretora de medicina, Veronica Rodriguez diz que "às 15h, o calor é tão forte que é quase impossível resistir".

Para os doentes e os idosos, o calor pode ser fatal.

Sem energia suficiente, as máquinas de raio-X e de tomografia computadorizada, e o equipamento de cateterização cardíaca do hospital, não funcionam, e os geradores não têm potência suficiente para acionar qualquer desses sistemas.

Apenas 20% das salas de operações estão em funcionamento. É difícil encontrar diesel e, com a escassez de água potável, outra preocupação vem crescendo: a possibilidade de uma crise de saúde pública causada pelas condições insalubres.

Victor J. Blue/The New York Times
Maria Martinez Espada, 83, a patient who broker her hip during Hurricane Maria, in her room at Hospital El Maestro, which has been on emergency generator power since Hurricane Maria, in San Juan, Puerto Rico, Sept. 26, 2017. Medics at Hospital del Maestro haven?t been able to operate on her because of a shortage of medical supplies. (Victor J. Blue/The New York Times) ORG XMIT: XNYT136
Maria Martinez Espada, 83, aguarda para ser operada no Hospital El Maestro, na capital San Juan

Em Washington, as autoridades estão correndo para demonstrar seu compromisso para com a ilha varrida pelo furacão, e os democratas e alguns republicanos estão instando o governo a fazer mais.

O presidente Donald Trump anunciou que visitaria Porto Rico e as Ilhas Virgens Americanas, na terça-feira (26), para reassegurar os moradores de que o governo federal estava se mobilizando para ajudar na reconstrução.

"Os dois lugares foram devastados –e quero dizer realmente devastados– pelo furacão Maria", declarou Trump. "E estamos fazendo tudo que está em nosso poder para ajudar as pessoas prejudicadas, em ambos os lugares".

Uma medida tomada por Trump nesta terça foi a de dispensar Porto Rico, que está está essencialmente falido, de cumprir a regra que determina que territórios precisam contribuir com verbas para o fundo federal de emergências.

O governador Ricardo Rosselló, de Porto Rico, elogiou Trump em entrevista na terça-feira, dizendo ter conversado com ele cinco vezes e ter participado de um briefing na Casa Branca.

"Ele está agindo proativamente", disse Rosselló, acrescentando que o presidente havia classificado Porto Rico como zona de desastre, quando a tempestade atingiu a ilha. Mas "precisamos de ainda mais ajuda, e o presidente compreende o fato, e sua equipe compreende o fato".

O governador enfatizou que aquilo que a ilha enfrentou nos últimos 30 dias merece ser classificado como desastre extraordinário.

"Em coisa de duas semanas, Porto Rico foi atingido por dois furações de categoria 4 ou categoria 5", ele disse. "Isso jamais aconteceu em qualquer outro lugar. A devastação foi imensa".

Tom Brenner/The New York Times
President Donald Trump hosts lawmakers on the House Ways and Means Committee, at the White House in Washington, Sept. 26, 2017. A day after Gov. Ricardo Rosselló warned that Puerto Rico was on the brink of a humanitarian crisis in the aftermath of Hurricane Maria, Trump announced that he would visit the island, a United States commonwealth, next week. (Tom Brenner/The New York Times) ORG XMIT: XNYT23
Presidente Donald Trump e parlamentares discutem situação de Porto Rico na Casa Branca

As soluções encontradas para os problemas de Porto Rico são todas improvisos desesperados.

3,4 milhões de pessoas estão encontrando maneiras alternativas de obter medicamentos muito necessários, diesel para seus geradores, comida para suas despensas, e água, para beber e para banhos.

Sem escolha, as pessoas esperam longamente, por até um dia inteiro, a fim de adquirir gasolina; a espera para comprar comida nos supermercados locais pode levar horas; eles estão admitindo os consumidores em grupos de 25 pessoas, para evitar tumultos.

Houve algum progresso. O governador anunciou na terça-feira que 450 dos 1,1 mil postos de gasolina da ilha estão funcionando, agora. Dois dias atrás, o número era de apenas 181.

O potencial de uma crise na saúde está aumentando. Rosselló declarou que colocar os hospitais da ilha em pleno funcionamento é uma prioridade.

Os hospitais se viram paralisados por inundações, danos e escassez de diesel.

O governador afirmou que 20 dos hospitais da ilha estão em funcionamento normal.

Os demais não estão operacionais, e as autoridades de saúde agora estão tentando determinar se isso acontece porque eles não dispõem de geradores ou de combustível, ou se sofreram danos estruturais.

Todos os cinco hospitais de Arecibo, a maior cidade de Porto Rico em termos de área, não de população, estão fechados.

Victor J. Blue/The New York Times
A nurse in a darkened hallway at Hospital El Maestro, which has been on emergency generator power since Hurricane Maria, in San Juan, Puerto Rico, Sept. 26, 2017. A week after Hurricane Maria hit Puerto Rico, the island remains a network of desperate fixes with medicine and healthcare a growing fear as the electricity and water remain off and the crisis drags on. (Victor J. Blue/The New York Times) ORG XMIT: XNYT134
Enfermeira no hospital El Maestro, na capital San Juan, que funciona com energia de geradores

Para piorar as coisas, o sistema de telefones de emergência de Porto Rico não está funcionando, disse Rosselló.

"O que você acha? Com certeza devem ter acontecido mortes", disse o Dr. Rafael Rodríguez-Mercado, secretário da saúde de Porto Rico. "Não tenho como lhe fornecer números, mas precisamos ser conscientes e realistas. Dizer o contrário seria mentira".

Até o momento, sete grandes hospitais regionais foram reparados e estão aceitando pacientes. Os pacientes porto-riquenhos que requerem hemodiálise também estão sendo tratados.

Mas nada é fácil. Deveria haver regras que forcem os hospitais a dispor de geradores de emergência –a maioria deles os têm–, e de uma reserva de diesel e medicamentos, além de telefones que operem via satélite, acrescentou o médico.

Mesmo com essas precauções, podem surgir problemas. Há diesel suficiente na ilha, mas existe uma escassez de motoristas para caminhões-tanques –alguns deles não conseguem chegar aos seus locais de trabalho– e de postos de gasolina em funcionamento.

Em Lares, o prefeito, Roberto Pagan, disse que o hospital municipal quase teve de fechar, ontem, porque sua reserva de diesel acabou.

"Estamos apagando incêndios", disse Rodríguez-Mercado. "Os hospitais ligam e dizem que só lhes resta duas horas de diesel".

O potencial de uma crise de saúde pública é uma grande preocupação, ele afirmou. Ratos e animais em decomposição podem espalhar doenças, disse o médico.

Sem água corrente, as pessoas provavelmente não estão lavando as mãos ou fervendo água com a frequência requerida, ou cozinhando devidamente a sua comida. Isso pode resultar em surtos de doenças gastrointestinais.

"O que me preocupa, sinceramente, é a possibilidade de epidemias", acrescentou Rodríguez-Mercado.

Victor J. Blue/The New York Times
A woman washes her hair in a natural spring in the hill town of Toa Alta, Puerto Rico, Sept. 25, 2017. As life in Puerto Rico grinds on nearly a week after the Category 4 storm knocked out all the power, most of the water and left people waiting in excruciating lines for fuel, Gov. Ricardo Rossello said Monday that the island was on the brink of a?humanitarian crisis.? (Victor J. Blue/The New York Times) ORG XMIT: XNYT167
Mulher lava os cabelos em riacho na cidade de Toa Alta, em Porto Rico, onde falta água potável

A forte presença de mosquitos na ilha também pode levar ao ressurgimento de doenças transmitidas por eles, como zika, dengue e chikungunya, dizem os médicos.

A escassez de farmácias em funcionamento é outro fator de desgaste, especialmente para os moradores idosos e os pacientes de doenças crônicas.

A maioria das farmácias de Porto Rico continua fechada, ainda que algumas lojas estejam começando lentamente a reabrir.

Um porta-voz da cadeia de drogarias CVS informou que 21 de suas 25 lojas em Porto Rico estão abertas no momento, entre as quais 17 farmácias. A primeira foi reaberta na noite de quinta-feira da semana passada.

Um porta-voz da Walgreens anunciou que cerca de metade das 120 drogarias da empresa em Porto Rico estão abertas e operando com geradores, mas que seu horário de funcionamento varia. As lojas estão recebendo entregas de medicamentos.

Mesmo que as pessoas encontrem remédios, elas muitas vezes não têm como pagar por eles. Sem eletricidade, os caixas automáticos não funcionam e as lojas não conseguem aceitar cartões de crédito ou processar cobertura de despesas por planos de saúde.

Foi o que aconteceu com José Castillo quando ele foi à Express Care Pharmacy, no bairro de Santurce em San Juan, para comprar uma nova dose dos antidepressivos que o ajudam a dormir.

Antes do anúncio de Trump, o deputado Luis Gutierrez, democrata do Illinois, declarou no plenário da Câmara que "temo que o governo federal não esteja agindo tão rápido e com tanto vigor quando deveríamos". "Essa emergência não pode ser tratada como simplesmente mais uma tempestade, pelo Congresso, presidente, Fema e outras agências", ele acrescentou.

Mas Trump defendeu as ações da Agência Federal de Gestão de Emergências (Fema), na terça-feira.

"Enviamos quantidades imensas de comida, água e suprimentos a Porto Rico, e continuamos a fazê-lo hora após hora", disse Trump. "Estamos literalmente enviando a cada hora aviões carregados de água, comida e suprimentos. E isso em um aeroporto que foi devastado".

Mas o governo negou um pedido para dispensar Porto Rico de restrições de transporte vigentes há muito tempo, para ajudar a levar combustível e suprimentos à ilha. As autoridades argumentaram que as restrições não estavam prejudicando os embarques.

Brock Long, administrador da Fema, disse em um briefing na Casa Branca que mais de uma dúzia de navios haviam sido enviados à área, carregando milhões de refeições e de litros de água fresca, e que 10 mil trabalhadores assistenciais do governo federal estavam em ação.

Aviões da Guarda Costeira estão transportando combustível, comida e água, de Miami e Jacksonville.

Erika P. Rodriguez/The New York Times
Puerto Ricans stock up at an oasis set up to provide nondrinking water to residents days after Hurricane Maria, in Cayey, Puerto Rico, Sept. 24, 2017. As life in Puerto Rico grinds on nearly a week after the Category 4 storm knocked out all the power, most of the water and left people waiting in excruciating lines for fuel, Gov. Ricardo Rossello said Monday that the island was on the brink of a?humanitarian crisis.? (Erika P. Rodriguez/The New York Times) ORG XMIT: XNYT157
Porto-riquenhos fazem fila para encher recipientes com água não potável em Cayey

O USNS Comfort, um navio-hospital da marinha de guerra dos Estados Unidos, também está à caminho da ilha. E o Departamento de Defesa anunciou que o Comando Norte dos Estados Unidos terá um comandante na área em 24 horas.

"O problema com reagir a um desastre em uma ilha é que não se pode transportar suprimentos de caminhão, como fazemos na porção continental dos Estados Unidos", disse Will Booher, porta-voz da Fema.

No Centro Médico de San Juan, o maior hospital da ilha, faltou energia de novo na terça-feira, forçando os profissionais de saúde a acionar geradores que precisam ser reabastecidos constantemente, disse Jorge Matta González, o diretor executivo de serviços médicos do hospital.

O pronto-socorro, muito movimentado mesmo em períodos normais, é um burburinho de pacientes, médicos e enfermeiras, e vem atendendo a em média 164 pessoas por dia. Apenas duas de suas 24 salas de cirurgia estão em funcionamento.

Do lado de fora do Centro Médico, barracas beges abrigam equipes de emergência médica federais vindas do Texas, Carolina do Sul e Califórnia.

"É como se fosse uma guerra: você trabalha com o que tem", disse o Dr. Carlos Gómez Marcial, diretor do pronto-socorro.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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