Folha de S. Paulo


Rotina de Obama pós-presidência inclui sanduíches e palestras

Yana Paskova - 20.set.2017/Getty Images/AFP
O ex-presidente americano Barack Obama em palestra na Fundação Gates
O ex-presidente americano Barack Obama em palestra na Fundação Gates

Uma hora da vida pós-presidencial de Barack Obama inclui sanduíches, dezenas de administradores de ativos e um tratado sobre a reforma do sistema de saúde.

Esses eram os principais ingredientes, na segunda-feira (25), quando Obama fez uma palestra em Manhattan em uma conferência sobre o sistema de saúde patrocinada pela corretora Cantor Fitzgerald —na que foi pelo menos a nona palestra paga feita por ele desde que encerrou seu mandato presidencial.

Mostrando firmeza no rosto e usando um terno escuro com um pequeno broche na forma da bandeira norte-americana afixado à lapela, Obama foi reservado ao descrever a disputa feroz sobre o sistema de saúde em Washington, que ameaça descarrilhar sua principal realização legislativa: a Lei de Acesso à Saúde.

Durante os 25 minutos da palestra de Obama, as brincadeiras foram poucas, e as críticas ao governoTrump ainda mais raras. Em lugar disso, ele empreendeu uma revisão professoral daquilo que a lei de reforma da saúde realizou, considerou os problemas que ainda restam a ser resolvidos, e mencionou de passagem algumas soluções.

"O sistema é grande, e complicado, mas não é assim tão misterioso o que poderia ser feito para melhorá-lo", disse Obama em um salão de festas ocupado por cerca de 500 espectadores. "Mas fazê-lo requer deixar de lado a ideologia".

O discurso foi o terceiro que Obama fez diante de audiências do setor financeiro, nos últimos 30 dias —ele também fez palestras para os clientes da Northern Trust, uma administradora de patrimônio, e para o Carlyle Group, um grupo de capital privado—, e ofereceu algumas indicações de como ele vem aproveitando as oportunidades de faturamento que sua vida passou a oferecer. Desde que deixou a Casa Branca, em janeiro, o ex-presidente e sua mulher ao que se sabe assinaram um contrato conjunto para um livro de memórias, em valor de US$ 60 milhões, e seus honorários por palestras como a que fez na Cantor atingem até US$ 400 mil por evento. Ele também tirou férias em uma ilha exclusiva e se mudou para uma casa de US$ 8,1 milhões.

Isso tudo se soma a diversos discursos e palestras não remunerados, como o que ele fez para jovens em risco em Chicago, e como a palestra que deu em outro evento na segunda-feira, cujo foco era proteger crianças contra abusos. A palestra em questão foi organizada por uma instituição que leva o nome do filho de seu vice-presidente, Joe Biden. Beau Biden morreu de câncer em 2015.

"Desde que deixou o cargo, o presidente Obama vem dedicando seu tempo a eventos públicos e privados, remunerados e não remunerados, que se coadunam com seus valores e com seu histórico", afirmou Kevin Lewis, antigo porta-voz do presidente, em mensagem de e-mail. Lewis acrescentou que os discursos pagos tornaram possível uma doação de US$ 2 milhões realizada por Obama para programas de emprego e treinamento profissional dirigidos a jovens de baixa renda em Chicago.

Lewis se recusou a comentar sobre como o presidente —que evitou boa parte das críticas sofridas por Hillary Clinton e outros antigos ocupantes de cargos públicos em função de palestras pagas feitas no setor privado, depois que deixaram seus postos— seleciona que convites aceitar para palestras pagas.

No evento da Cantor, Obama subiu ao palco cerca de um minuto depois que o presidente-executivo da corretora, Howard Lutnick, o apresentou. "Tenho que trabalhar melhor no meu timing", brincou Lutnick enquanto esperava ao lado do microfone pela chegada do ex-presidente.

Depois de sua palestra e de responder a algumas perguntas mais longas, Obama participou daquilo que Lutnick definiu como uma "rodada relâmpago". Mas o ex-presidente terminou respondendo a apenas uma pergunta —sobre tecnologia e os custos dos serviços de saúde do governo—, e o fez sóbria e extensamente, o que esgotou o tempo reservado a perguntas. Obama em seguida pediu aos profissionais de saúde presentes que sempre dessem posição central naquilo que fazem às pessoas doentes e assustadas.

"Se vocês pretendem ganhar dinheiro com isso, é melhor pensar no que pedi", ele disse.

Na semana passada, Obama definiu como "irritantes" os esforços do novo governo para desmantelar a Lei de Acesso à Saúde, em um evento da Fundação Gates, e na segunda-feira ele os classificou como exercício de cinismo político. Horas mais tarde, a oposição de um senador crucial parece ter custado à mais recente proposta de revogação os votos de que necessitaria para aprovação.

Ele reconheceu que o sistema atual tem problemas, entre os quais o fato de que alguns Estados não expandiram o programa público de saúde Medicaid até o limite permitido pela Lei de Acesso à Saúde, e a questão da falta de cobertura por planos de saúde em certas áreas de Estados rurais. A solução para a falta de cobertura, ele disse, era um plano público para cobrir as lacunas.

Outro problema, acrescentou Obama, era que "a atual administração" tomou medidas para "dificultar que as pessoas obtenham cobertura no período de inscrição deste ano". Ele deu a entender que ajudar a divulgar o prazo em questão seria uma de suas prioridades pessoais este ano. "Como cidadão privado, terei de ajudar a fazer todo o possível para levar essa informação às pessoas", ele disse.

A Casa Branca não comentou sobre as críticas de Obama, na noite de segunda-feira.

Alguns dos espectadores se declararam gratificados pelos comentários de Obama. "A coisa que mais me impressionou na discussão de hoje é que ele realmente tentou se distanciar da política", disse Sara Finan, consultora de relações com investidores de Akron, Ohio, depois do evento. "Ele reconheceu as falhas da Lei de Acesso à Saúde. Mas ao mesmo tempo sua atitude era a de 'não vamos tentar reinventar a roda'".

A despeito de um tom no geral contido, Obama não deixou totalmente de lado o humor. Perto do fim de sua palestra, ele falou sobre os recentes tuites do presidente Donald Trump dirigidos a jogadores de futebol americano. "Nosso maior problema no momento é a política", ele disse. "Não conseguimos deixá-la de fora nem do futebol americano".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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