Folha de S. Paulo


Brasil festeja assinatura de acordo na ONU que proíbe armas nucleares

Móveis, tapetes e flores. Nos dias antes da Assembleia-Geral das Nações Unidas, a sede da missão do Brasil junto ao órgão internacional em Nova York estava em polvorosa, com ministros, secretários e embaixadores redecorando as salas do décimo andar de um prédio na Terceira avenida à espera de convidados.

Mas o momento mais aguardado por diplomatas do país acontece a três quadras dali. Na próxima quarta (20), o presidente Michel Temer e pelo menos outros 42 chefes de Estado vão assinar um tratado que proíbe armas nucleares.

KCNA/AFP
Foto divulgada pela agência de notícias KCNA mostra o que seria o lançamento de mísseis do dia 15
Foto divulgada pela agência de notícias KCNA mostra o que seria o lançamento de mísseis do dia 15

Em preparativos há pelo menos um ano, o documento é um esforço de África do Sul, Áustria, Brasil, Irlanda, México e Nigéria. Aprovado em julho com apoio de 122 países nas Nações Unidas, o tratado tem a —difícil— ambição de pôr fim a arsenais nucleares.

Nenhuma nação com esse tipo de armamento, entre elas China, França, Estados Unidos, Reino Unido e Rússia, membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, apoia essa medida.

Entre os opositores mais ferozes do documento, os americanos tentaram pressionar diplomatas dos países que deram aval ao avanço do tratado a desistir da ideia. A Holanda, que tem armas nucleares dos EUA plantadas em seu território, também votou contra, não sem antes defender uma versão diluída do acordo.

Mais improvável entre os apoiadores está a Coreia do Norte, que há décadas tenta desenvolver seu arsenal nuclear para desespero da comunidade internacional. A ditadura comandada por Kim Jong-un, que vem realizando testes com bombas atômicas, votou a favor da medida num gesto visto por diplomatas como mais uma provocação à Casa Branca comandada por Donald Trump.

Índia, Israel e Paquistão, países que têm esses arsenais à revelia do estipulado pelo Tratado de Não Proliferação Nuclear, também ficaram às margens das negociações, assim como Japão e Coreia do Sul, possíveis alvos dos mísseis do regime norte-coreano.

"O Brasil vê que a situação da Coreia do Norte mostra a necessidade de desarmamento, já que a possibilidade de conflito armado é ainda mais catastrófica", diz a diplomata Larissa Calza, da missão do país na ONU, que acompanhou as negociações. "A existência dessas normas cria um constrangimento político e gera uma mudança de comportamento mesmo que um país não queira aderir ao tratado."

Num momento de crise da imagem do Brasil no exterior, com a série de denúncias contra Temer e uma crise econômica ainda longe do fim, o Itamaraty enxerga a assinatura do tratado como uma vitória.

Mesmo com impacto a princípio simbólico, em especial num momento em que contar vantagem sobre arsenais nucleares faz parte da escalada de farpas trocadas entre Trump e Kim, a diplomacia brasileira acredita que o tratado pode, no longo prazo, constranger potências nucleares a diminuir seus arsenais.

"Nós defendemos que a única maneira de não usar uma arma nuclear é não ter", diz Frederico Duque Estrada Meyer, um dos chefes da missão brasileira na ONU. "O fato de ter havido tanta resistência para que esse tratado fosse assinado demonstra que ele não é tão inócuo."

O diplomata lembra, aliás, que o Brasil foi um dos maiores articuladores do Tratado de Tlatelolco, que proibiu armas nucleares na América Latina, e que a Constituição do pais prevê só o uso pacífico da tecnologia nuclear.

Na visão do Itamaraty, o tratado ainda corrige uma lacuna jurídica, já que a proibição desse tipo de armamento complementa o veto a armas químicas e biológicas já chancelado pela ONU, criando a partir de agora obstáculos legais para todas as armas de destruição em massa.

O avanço da medida ainda turbina os esforços até aqui mal sucedidos do Brasil de ocupar um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, que precisaria passar por uma reforma para acomodar novos membros.

Embora o órgão internacional estude uma série de reformas, entre elas cortes no orçamento e tentativas de diminuir sua burocracia, uma mudança nesse conselho não está no horizonte no momento.


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