Oito jovens com malas se protegiam do sol sob uma árvore em Ciudad Hidalgo, no México, ao lado da ponte para Tecún Umán, na Guatemala, na tarde de quarta (13). O silêncio veio quando a reportagem pediu uma entrevista. A negativa veio com os olhos arregalados e bocas fechadas.
Na sequência, todos correram ao mesmo tempo e entraram em uma van, aparentemente a comando de um dos homens que buscam passageiros no posto de fronteira para ir à vizinha Tapachula.
Ciudad Hidalgo é a principal porta de entrada dos imigrantes centro-americanos na América do Norte. Com o endurecimento das leis mexicanas, porém, a ponte virou um acesso secundário.
A maioria chega agora em balsas feitas de câmaras de pneus e pallets que aportam à beira do rio Suchiate a menos de um quilômetro dali, por onde passa o contrabando de mercadorias e pessoas.
A legislação mais dura, porém, não impediu que a imigração de cidadãos de Honduras, El Salvador e Guatemala —que sofrem com a violência das gangues— crescesse desde 2013.
Segundo a Comissão Mexicana de Ajuda a Refugiados, o número de pedidos de asilo dos nascidos nos três países centro-americanos passou de 887 quatro anos atrás para 8.051 no ano passado.
O aumento foi similar nos pedidos aceitos, que foram de 214 para 2.683. O número de cidadãos dos três países expulsos do México também cresceu: 141.990 no ano passado, segundo o Instituto Nacional de Migrações (INM).
Para Francesca Fontanini, diretora de comunicações do Acnur (Alto Comissariado da ONU para Refugiados) na América Latina, o cerco crescente aos imigrantes nos EUA levou ao aumento das solicitações de permanência no México. "Pelas medidas de segurança das autoridades americanas, o preço cobrado pelos coiotes [traficantes de pessoas] começou a subir. e agora a maioria não tem condições de pagar para ir aos Estados Unidos."
Pelo mesmo motivo, diz Fontanini, subiram as deportações do lado mexicano e mudou a situação de um vizinho. "A Guatemala, que sempre foi um país de fuga e trânsito, passou a ser também um de permanência."
Apesar disso, a representante do Acnur afirma que não foram registradas diferenças no fluxo migratório desde a chegada de Donald Trump à Casa Branca, em janeiro deste ano.
Em 2017, os hondurenhos continuam a liderar os pedidos de asilo, mas El Salvador e Guatemala foram superados pela Venezuela.
Os venezuelanos, porém, têm quase 100% de probabilidade de conseguir asilo: dos 400 pedidos avaliados pela Comar entre 1º de janeiro de 2016 e 15 de agosto de 2017, só dois foram recusados.
No caso dos centro-americanos, o percentual de aprovação foi de 58% no período. Neste ano, as autoridades mexicanas também registraram crescimento das solicitações de haitianos e cubanos.
O CAMINHO
A primeira parte da viagem dos centro-americanos pelo México começa por Chiapas e Oaxaca, Estados mais afetados pelo terremoto de magnitude 8,1 que matou quase cem pessoas no dia 7.
Da fronteira, a maioria avança para o norte ou para a Cidade do México pelas estradas ou pendurados no trem de carga conhecido como "A Besta", que parte de Arriaga, a 288 km da fronteira. O caminho é cercado de blitze. Entre Tapachula e Juchitán, cidade mais afetada pelo terremoto, há seis postos do INM e oito bloqueios policiais.
Isso levou ao surgimento no México de práticas comuns do tráfico de pessoas do lado americano. Em agosto, o INM resgatou em Veracruz, no leste do país, 147 centro-americanos que viajavam em um caminhão-baú.
Nem sempre a reação dos mexicanos aos vizinhos é solidária, embora eles sejam os principais prejudicados com as restrições migratórias e o muro que Trump pretende construir na fronteira.
A Folha presenciou um taxista xingar dois centro-americanos na rodoviária de Tuxtla Gutiérrez, em Chiapas. "Vocês deveriam viajar até a fronteira para serem deportados de vez", disse. Por outro lado, moradores de Ixtepec, em Oaxaca, agradeceram o grupo de estrangeiros que desceu do trem para ajudar na recuperação das casas destruídas pelo terremoto.
Na Casa do Imigrante de Tapachula, hondurenhos, salvadorenhos e guatemaltecos disseram que o objetivo é conseguir o visto no México ou nos EUA e trabalhar.
Gilberto Uzmán, 35, fugiu de Sesuntepeque, El Salvador, após ser surrado por uma gangue por soltar fogos.
Os bandidos pediram US$ 1.500 (R$ 4.670) para preservar sua vida."O que mais me dói é que foi por uma coisa besta", disse. "Me disseram que eu deveria sair já, corri para casa, peguei uma calça, e pedi a um amigo que me levasse à rodoviária."
Para chegar ao México após ser ameaçado por bandidos, o guatemalteco Carlos Hernández, 29, andou 150 km a pé e atravessou o rio Suchiate a nado. "No meu país eu ia morrer de fome do mesmo jeito, então eu me arrisquei."
Já o hondurenho César Antonio Paza, 36, divertia os colegas com suas imitações de animais. É um veterano de travessia: tentava pela quarta vez chegar aos EUA, apesar de ser esquizofrênico. A primeira foi aos 15 anos.
Editoria de Arte/Folhapress | ||