Folha de S. Paulo


Marriott deixa quem não é hóspede para trás em resgate no Caribe

As centenas de pessoas que esperavam no cais na ilha de Saint Thomas na noite de sexta-feira (8) tinham acabado de sobreviver ao ataque do furacão Irma, que inutilizou o aeroporto e devastou quase todos os edifícios que não eram de concreto.

Os suprimentos de comida e água estavam acabando. A eletricidade falhava. E o furacão José ainda não tinha se desviado para o norte. As pessoas na ilha temiam que a segunda tempestade pudesse eclodir, causando mais destruição em Saint Thomas.

Mas um grande navio com espaço suficiente para transportar todos os turistas se aproximava do porto. A ajuda estava chegando, bem na hora. Mas não para todo mundo.

O navio tinha sido fretado pela rede de hotéis Marriott para hóspedes que ficaram na ilha depois que o aeroporto fechou.

E as autoridades –há desacordos sobre quem exatamente– disseram que as únicas pessoas que poderiam embarcar no navio de socorro seriam as registradas como hóspedes nos hotéis e resorts de luxo da rede em Saint Thomas.

Pouco depois que o navio chegou, cerca de 35 pessoas –turistas que não estavam hospedados nos hotéis Marriott e que também tinham escapado do furacão– viram o barco ir embora com centenas de assentos vazios.

"Simplesmente nos sentimos impotentes", disse Cody Howard, um caçador de tempestades profissional que foi contratado para gravar vídeos do furacão na ilha. Sua estratégia de saída evaporou quando o aeroporto local foi fechado.

"Somos homens adultos. Sabemos cuidar de nós mesmos", disse ele sobre si próprio e seu parceiro de caçadas. Howard tinha suportado condições semelhantes filmando vídeos do furacão Harvey. "Não precisávamos de muita coisa. Mas foi realmente difícil ver pessoas com crianças e idosos que não tinham para onde ir serem recusados por aquele barco... Para algumas, era a única esperança. Depois que o navio se foi, elas simplesmente se sentiram desesperadas e impotentes."

Os oficiais do navio disseram que contataram a diretoria da empresa sobre a evacuação, segundo Howard e outros passageiros recusados. As autoridades da companhia disseram que "não queriam responsabilidade", segundo Howard.

Enraivecida, Naomi Ayala, uma moradora de Dallas que estava em férias em Saint Thomas, mas agora via sua chance de ser resgatada se afastar no horizonte, pegou seu celular e postou um vídeo no Facebook.

"Eles tinham mais de 600 lugares", disse ela, citando um número que mais tarde revisou para cima. "Preencheram 300 com hóspedes do Marriott, e há 35 pessoas aqui esperando e não podemos entrar nesse barco grande, onde caberiam pelo menos 200 a 300 pessoas a mais."

Então ela citou nomes: "Foi uma decisão do Marriott. O Marriott não nos deixou entrar naquele barco para ir a San Juan para pegarmos aviões de volta para casa. Agora temos de passar pelo furacão José em Saint Thomas, quando acabamos de passar pelo Irma."

Tim Sheldon, presidente para a região Caribe e América Latina do Marriott International, sediado em Bethesda, em Maryland (EUA), disse ao "The Washington Post" que o diretor do porto em Saint Thomas instruiu a tripulação de que qualquer pessoa não listada no manifesto não poderia embarcar no navio.

A companhia já tinha combinado com as autoridades para colocar o barco no porto sem aviso prévio em uma emergência –e a produzir um manifesto com toda a informação adequada sobre os passageiros. Mas Sheldon disse que a empresa não controlava o acesso ao porto.

E com a aproximação do José não havia tempo para negociar passagem para as pessoas que acabaram ficando na ilha.

"O gerente do porto nos disse que se [as pessoas] não estivessem no manifesto [lista] não poderíamos colocá-las a bordo", disse ele. "Disseram-nos que tínhamos de tirar o barco do porto ao anoitecer. Sabíamos que era do nosso interesse e do interesse dos nossos hóspedes tirar o navio dali naquela noite."

Editoria de Arte/Folhapress
Furacão Irma

Em uma declaração ao "Post", a companhia se referiu à burocracia: "Na sexta-feira, o Marriott conseguiu um ferry-boat para transportar cerca de 600 de nossos hóspedes de Saint Thomas a Porto Rico. Eram hóspedes que tiveram de ficar na ilha depois que o aeroporto foi fechado antes do furacão Irma.

"A balsa partiu de Saint Thomas na sexta-feira, 8 de setembro, com os hóspedes do Marriott a bordo. Havia várias outras pessoas reunidas no cais que não eram nossos hóspedes que também manifestarem o desejo de deixar Saint Thomas. Nós queríamos muito ajudar esses outros viajantes a chegar a Porto Rico, mas a equipe local do Marriott recebeu instruções de que não tinham autorização para embarcar outros passageiros que não estivessem no manifesto aprovado. Isso foi aplicado pela segurança do cais.

"Com o furacão José a caminho de Saint Thomas, a balsa tinha uma janela estreita para apanhar os passageiros e partir em segurança.

"Como companhia, a Marriott dá prioridade à segurança de nossos hóspedes, mas também temos uma longa tradição de cuidar da comunidade em geral. Nesse caso, não conseguimos ajudar, e embora estejamos gratos por termos conseguido transportar nossos hóspedes estamos entristecidos por não termos podido fazer o mesmo por mais pessoas. Continuamos trabalhando com as autoridade locais em Saint Thomas para apoiar os esforços de ajuda lá."

Mas Howard e outras pessoas viram isso como um caso de insensibilidade corporativa durante uma situação de risco de vida. Ele disse ao "Post" que as autoridades locais pressionaram para colocar turistas no barco –estes usariam os recursos limitados que poderiam ser usados pelos moradores, que não podiam fugir das consequências do furacão.

O furacão José afinal se desviou para o norte e teve um efeito mínimo na ilha destruída.

Mas enquanto as pessoas viam o barco fretado pelo Marriott se afastar ninguém sabia disso –ou por quanto tempo Saint Thomas ficaria sem abastecimento de alimentos e água. As pessoas também tinham recebido relatos esparsos de tumultos em outras ilhas desesperadas do Caribe.

Mas mesmo assim, segundo Howard, o pessoal do navio disse não.

"O sentido geral que tirei dessa história foi: nós não pagamos o suficiente para ficar em um hotel Marriott, portanto não éramos bons o suficiente para entrar naquele barco", afirmou.

Tradução de LUIZ ROBERTO MENDES GONÇALVES


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