Folha de S. Paulo


Tesla libera bateria extra para moradores da Flórida durante furacão

Gerald Herbert - 9.set.2017/AP
A car rides in the shoulder to pass other cars in evacuation traffic on I-75 N, near Brooksville, Fla., in advance of Hurricane Irma, Saturday, Sept, 9, 2017. (AP Photo/Gerald Herbert)
Carro ultrapassa pelo acostamento em estrada engarrafada na Flórida antes da passagem do Irma

Quando moradores da Flórida fugiram do furacão Irma no fim de semana, alguns donos de automóveis Tesla ganharam uma pequena surpresa da montadora para ajudá-los a escapar da zona de perigo.

No sábado a Tesla começou a implementar um upgrade de software que aumenta a capacidade da bateria de alguns sedãs Modelo S e alguns SUVs Modelo X.

Todos os carros que receberam o upgrade pertenciam a residentes na região identificada pela defesa civil como sendo a área a ser desocupada.

Realizado em tempo real, o upgrade aumentou a autonomia dos carros, disponibilizando a eles energia antes inacessível na bateria, de modo que os veículos passaram a poder ir mais longe com uma recarga.

A modificação não será permanente; a Tesla já anunciou que o upgrade temporário será revertido em 16 de setembro, presume-se que depois de o perigo imediato ter passado.

A decisão reflete um elemento crucial que distingue a Tesla de outras empresas automotivas e que pode dividir as opiniões dos consumidores quando eles pensam sobre como será ser dono de um carro no futuro.

Os veículos Modelo S e Modelo X que receberam o upgrade no sábado foram todos fabricados com bateria de 75 quilowatts. Quando ela está totalmente carregada, isso é o bastante para um Modelo S percorrer aproximadamente 400 quilômetros.

Quando os carros começaram a ser vendidos, a Tesla ofereceu aos compradores a opção de uma bateria de capacidade menor e por preço mais baixo. Alguns consumidores optaram pela economia, em vez de adquirir a bateria de 75 quilowatts.

Mas isso não significou que uma bateria grande foi substituída por uma bateria fisicamente menor; significou apenas que foi usado código de computador para limitar quanto da bateria o carro podia acessar.

Se o dono quisesse, mais tarde, poderia pedir à Tesla para "destravar" o software, pagando para isso uma taxa adicional que pode chegar a milhares de dólares.

O que aconteceu no fim de semana foi que a Tesla abriu temporariamente aquela trava de software sem cobrar por isso, depois de receber pedidos de ajuda de consumidores cujos carros estavam parados no trânsito provocado pelo furacão Irma.

A decisão destaca um dos aspectos mais inovadores de possuir um carro Tesla. A capacidade da empresa de aumentar instantaneamente a autonomia de um veículo, usando softwares, é algo que nenhum veículo convencional pode ter.

Não é possível aumentar o tamanho de um tanque de combustível simplesmente pressionando um botão.

Não é a primeira vez que a Tesla emprega atualizações remotas de softwares para ampliar a capacidade de um carro.

O valor total de todos os upgrades opcionais de software oferecidos pela empresa hoje chega a dezenas de milhares de dólares, segundo algumas estimativas. E o conceito de liberação de softwares não é novidade; desde pacotes de ampliação de videogames até assinaturas premium do Spotify, hoje softwares são usados habitualmente para ampliar a gama de elementos disponíveis a nós em outros produtos.

O que torna tão interessante o uso dessa chave de software é que, para muitos consumidores, esta é a primeira vez que eles viram essa prática ser aplicada a carros. Isso nos obriga a encarar sob outra ótica o que significa ser realmente proprietário de um veículo.

Editoria de Arte/Folhapress
O TRAJETO DO IRMAFuracão foi rebaixado para tempestade tropical*

A decisão da Tesla de oferecer carros a preço mais baixo com certas restrições de desempenho pode ser vista como algo que amplia as opções abertas aos consumidores e lhes proporciona flexibilidade. Ao mesmo tempo, pelo fato de o hardware continuar o mesmo, não importa o nível de software que a pessoa tenha adquirido, podemos dizer que a Tesla trancou o potencial pleno do veículo por trás de um paywall arbitrário.

É uma mudança de paradigma.

Quando você compra qualquer outro carro, você adquire a capacidade plena dele. Em muitos casos (se bem que nem tanto hoje quanto em décadas passadas), você pode abrir o capô e mexer com o motor você mesmo. Historicamente, sempre foi assim que encaramos a compra de um automóvel. Quando você o leva para casa, o carro é realmente seu; você adquiriu o carro por inteiro e, basicamente, pode fazer com ele o que bem entende.

No caso dos carros da Tesla, não é bem assim.

Existe uma comunidade de hackers amadores que mexe com seus carros e às vezes faz descobertas fascinantes, mas a empresa exerce um grau elevado de controle sobre os veículos, mesmo que não o faça o tempo todo. Como vimos, a Tesla é capaz de instalar novos softwares à distância, incluindo códigos que habilitam e desabilitam elementos de modo unilateral.

Isso pode ser uma dádiva em situações em que estar com o pacote "errado" pode lhe colocar no caminho de um furacão. Ao mesmo tempo, revela o poder tremendo que o fabricante de seu veículo pode ter sobre você. Isso, sem falar em se é ou não benéfico para o consumidor se a empresa lhe cobra milhares de dólares para acessar hardware que só requer alguns toques em um teclado para ser habilitado.

A discussão já deslanchou no Reddit.

Tradução de Clara Allain


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