Folha de S. Paulo


Sociedade civil polonesa pró-UE renasce com a juventude

Kevin Van den Panhuyzen/NurPhoto
Um manifestante possui um sinal que diz
Protesto contra a reforma do Judiciário polonês em Bruxelas, sede da União Europeia

Paulina Kieszkowska não entende. "Não sei como, sendo os melhores alunos da classe, com tanto sucesso em superar o comunismo, viramos esse bebê incômodo", ela diz sobre o governo polonês.

Mas, enquanto se questiona, a advogada se empenha em reverter a situação. Kieszkowska é uma das fundadoras do grupo Wolne Sady ("liberte as cortes"), que esteve na linha de frente dos protestos de julho passado.

A organização Wolne Sady foi em grande parte o responsável por frear as reformas judiciárias do governo.

Diante das massas nas ruas, o presidente Andrzej Duda foi obrigado a vetar duas das três reformas, e vai propor nas próximas semanas suas próprias emendas.

O sucesso, ainda que temporário, rotacionou os holofotes na direção desses pequenos movimentos da sociedade civil, com um súbito e enorme papel político.

Quando o governo formular novas propostas, já sabe: pode enfrentar manifestações em todo o país.

Também quando suas políticas afastarem a Polônia ainda mais da União Europeia, em que pessoas como Kieszkowska querem ficar.

"Esperamos para nos sentar na mesa da família Europeia, após décadas de comunismo", diz. "E essa é a melhor mesa do mundo. O que nos preocupa é que, por ter ofendido a EU, podemos perder nosso lugar na mesa."

O Wolne Sady foi criado em julho. Seus dez membros gravaram mais de 150 vídeos recolhendo depoimentos de figuras públicas sobre as sérias consequências de se reformar o Judiciário do país.

As imagens, apelando para os efeitos práticos da reforma, ajudaram a mobilizar cidadãos em mais de 280 cidades, barrando a medida.

"Foi algo bastante emocionante", diz à Folha Maria Ejchart-Dubois, co-fundadora do movimento. "As pessoas carregavam velas nos protestos, como se estivessem em luto pela nossa democracia."

"Todo Estado autoritário tenta limitar os tribunais", diz Kieszkowska. "Porém o país deixa de ser democrático quando a carreira de um juiz depende do ministro da Justiça, que ao mesmo tempo é o promotor público."

As autoridades tentam deslegitimizar movimentos como o Wolde Sady, dando a entender que são aventureiros sem experiência pública ou que recebem algum tipo de financiamento externo.

Kieszkowska, em seu escritório em Varsóvia, discorda. "Não acordamos um dia e decidimos nos envolver. Tínhamos projetos sobre o Estado de direito. Fazemos isso há décadas, contra quem quer que esteja no poder."

JUVENTUDE

Um dos segredos do sucesso dos protestos de julho foi a aparição eletrizante de jovens ativistas, até então ausentes do palco político.

Eles chegaram com alguma experiência no campo —já tinham se manifestado em 2016 a favor do aborto.

As passeatas, espalhadas por todo o país, foram convocadas via Facebook —algo particularmente efetivo, diz à Folha o cientista social Filip Pazderski, do Instituto de Políticas Públicas. "Os chamados atingiram os jovens dentro das suas bolhas."

"O PiS pensou que, se adotasse essas leis durante as férias, ninguém se importaria", afirma. "Mas é justamente quando os jovens têm mais tempo livre, no verão."

Como os estudantes que criaram em julho o Mlodzi 2017 (Jovens 2017) para se opôr às reformas judiciárias.

Eles tinham se conhecido em protestos e decidiram que, na ausência de uma oposição efetiva, tinham que agir.

"Queremos que a Polônia esteja no mesmo nível da Alemanha e da França. Não queremos mais ter vergonha de sermos poloneses", diz Weronika Kostrzanowska, 21, estudante de biotecnologia.

Os atritos com a União Europeia assustam, em especial, os jovens. "Muitos de nós nos beneficiamos de programas europeus, como o projeto de intercâmbio Erasmus, e estamos em perigo."

É a segunda vez em que ela participa de algum movimento político. Ela havia tentado antes com o partido de esquerda SLD, com o qual se decepcionou. "São muito velhos. Não veem as mesmas coisas que a gente, e não querem dar seus assentos no Parlamento para os jovens."

Kostrzanowska não sabe, por ora, se seu Mlodzi 2017 vai virar um partido político. Tampouco sabe que tipo de efeito real pode ter no país.

"Entendemos que não podemos fazer muito. Mas queremos fazer alguma coisa."


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