Folha de S. Paulo


Motivos da exibição de força do regime norte-coreano dividem especialistas

Quando o meio-irmão de Kim Jong-un foi assassinado em um aeroporto internacional neste ano, muitos apontaram motivos medievais : o irmão exilado representava uma ameaça e tinha de ser eliminado.

Seis meses depois, o líder supremo da Coreia do Norte continua gostando de chocar a comunidade global ao exibir seu crescente poderio militar com testes de armas avançadas.

KCNA/Reuters
Imagem da agência KCNA mostra Kim Jong-un ao lado do que o regime afirma ser uma bomba H
Imagem da agência KCNA mostra Kim Jong-un ao lado do que o regime afirma ser uma bomba H

Em opiniões declaradas publicamente, Pyongyang retrata sua audaciosa corrida por armas nucleares como uma medida defensiva necessária para evitar uma agressão dos EUA.

Mas os especialistas estão divididos quanto a se a ambição do regime autocrático é apenas a autopreservação, ou se suas intenções reais são mais agressivas.

Nicholas Eberstadt, um especialista em Coreia no grupo de pensadores conservador Instituto Americano de Empresas, é um dos que acreditam que o objetivo final da Coreia do Norte é lutar e vencer uma guerra com a Coreia do Sul.

Risco coreano
Entenda a crise
O ditador coreano inspeciona míssel

"Se Pyongyang puder forçar um presidente americano a vacilar em uma futura crise coreana, a aliança militar EUA-Coreia do Sul desmoronará", disse ele.

"As forças americanas estarão fora [da Coreia do Sul], e o regime da família Kim dará um passo gigantesco para decidir a inacabada Guerra da Coreia em seus próprios termos."

Os temores desse cenário são crescentes na Coreia do Sul, cujos cidadãos começaram a questionar se os EUA estão realmente dispostos a defender seu antigo aliado diante de um adversário com armas nucleares.

"Todas as peças para o desígnio do Norte estão lenta mas deliberadamente se encaixando", acrescenta Eberstadt. "As armas nucleares, os mísseis, o componente da guerra cibernética."

Os atos do presidente americano, Donald Trump, pouco fizeram para inspirar a confiança de Seul. Depois do sexto teste nuclear de Pyongyang no domingo (3), Trump foi ao Twitter para acusar a Coreia do Sul de fazer concessões ao Norte. Depois ele levou quase 36 horas para pegar o telefone e conversar sobre o assunto com Moon Jae-in, seu colega sul-coreano.

Bomba H

Kim Tae-woo, ex-diretor do Instituto Coreano para a Unificação Nacional, em Seul, também acredita que Pyongyang está buscando "induzir uma divisão na aliança Coreia do Sul-EUA". Ele acredita que as ameaças do Norte no mês passado de bombardear o território americano de Guam, no Pacífico, "poderiam deixar os americanos nervosos, questionando por que devem proteger a Coreia do Sul às custas de sua própria segurança".

No entanto, outros veem a escalada nuclear da Coreia do Norte como originária da autoproteção. Alguns apontam as frequentes menções na mídia estatal norte-coreana a Muammar Gaddafi, da Líbia, e a Saddam Hussein, do Iraque —ditadores que tiveram finais sombrios depois de não perceberem que "a dissuasão nuclear serve como a espada mais forte e valiosa"—, como evidência de que o regime é mais motivado pelo medo do que pela beligerância.

"Pyongyang está tentando fechar um acordo com Washington segundo suas próprias condições", disse Kim Dong-yeob, um pesquisador da Universidade Kyungnam, em Seul. "Ela quer uma garantia de segurança dos EUA e uma garantia da sobrevivência do regime."

As Coreias do Norte e do Sul permanecem tecnicamente inimigas desde os anos 1950, quando a Guerra da Coreia terminou em um armistício, e não num tratado de paz. Pyongyang considera a constante presença militar dos EUA na Coreia do Sul, assim como os exercícios militares conjuntos com Seul, como precursores de uma invasão.

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ACORDO

Alguns especialistas acreditam que a Coreia do Norte está buscando um acordo que a reconheceria como um Estado nuclear legítimo e a libertaria do jugo das sanções internacionais. Tal acordo também acarretaria um tratado de paz com os EUA como um compromisso de segurança, medida que seria vista com consternação por Seul.

Para Stephan Haggard, um especialista em Coreia do Norte na Universidade da Califórnia em San Diego, as recentes demonstrações de poder do regime de Kim são mais dirigidas à China que aos EUA ou à Coreia do Sul.

"Os testes não são um sinal de confiança, mas de desespero: uma iniciativa por parte de Kim Jong-un para fazer os chineses recuarem em suas recentes sanções, que são na verdade draconianas", sugere o professor Haggard em um blog para o Instituto Peterson de Economia Internacional.

O comércio crescente com a China, de longe o maior parceiro comercial da Coreia do Norte, até agora ajudou o regime de Kim a mitigar o peso das sanções e alimentar o crescimento econômico.

Mas no mês passado a China aprovou duras novas sanções da ONU que proíbem a Coreia do Norte de exportar carvão, ferro e chumbo, medida que poderá cortar em mais de um terço as receitas de exportações de Pyongyang, de US$ 3 bilhões.

"O regime norte-coreano está tirando recursos de diversas contas no exterior para sustentar o deficit da balança comercial com a China, hoje virtualmente seu único parceiro importante", disse o professor Haggard. "O regime está perfeitamente consciente do que há nessas contas e quanto tempo elas vão durar, e não gosta do que está vendo."

Tradução de LUIZ ROBERTO MENDES GONÇALVES.

Editoria de Arte/Folhapress

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