Folha de S. Paulo


Regime aumenta pressão sobre meios de comunicação na Venezuela

O regime venezuelano voltou a atacar meios de comunicação que não sejam simpáticos à gestão de Nicolás Maduro valendo-se de regras pouco claras para impedir que continuem operando.

Nos últimos 15 dias, o Conselho Nacional de Telecomunicações (Conatel) tirou do ar dois canais colombianos que tinham o sinal distribuído na Venezuela por operadoras de TV por assinatura e fechou duas rádios críticas em Caracas.

Yan Boechat/Folhapress
O diretor-geral da rádio FM 92.9, Jaime Nestares, e sua equipe passaram a transmitir pela internet
O diretor-geral da rádio FM 92.9, Jaime Nestares, e sua equipe passaram a transmitir pela internet

Na quarta (30), o jornal "El Diario de los Andes", que circulava na cidade de Mérida, deixou de operar por falta de papel-imprensa, vendido exclusivamente por uma estatal que regula a distribuição.

Dois dias antes, agentes do Serviço Bolivariano de Inteligência haviam entrado armados em uma rádio de Caracas e apreendido as gravações de uma entrevista com líderes das manifestações que sacudiram o país de abril a julho. Na mesma segunda, em Maracaibo, homens atacaram a sede do jornal "Versión Final" com coquetéis molotov, destruindo quatro veículos.

Apesar de um longo histórico de pressão, intimidação e censura aos meios de comunicação, este é o pior ano para a imprensa venezuelana desde que o ex-presidente Hugo Chávez (1954-2013) chegou ao poder em 1999.

Segundo levantamento da ONG Espacio Publico, que monitora violações da liberdade de informação e expressão, e do Sindicato dos Jornalistas Venezuelanos, nos oito primeiros meses de 2017 o regime fechou 49 rádios e tirou do ar cinco canais de TV estrangeiros, incluindo a CNN en Español e as colombianas RCN e Caracol.

Fechando o cerco - O 1º sem.2017 registrou o maior número de casos de violação à liberdade de expressão e informação* na Venezuela nos últimos dez anos

PADRÃO

"Há um padrão claro", diz Mary Rodriguez, coordenadora do programa de observação da liberdade de expressão da Espacio Publico.

"O governo sempre usa procedimentos legais obscuros para fechar estações e ataca as que não são simpáticas a ele", diz. "Em um momento tão polarizado, o governo vê qualquer um que não apoie declaradamente suas posições como opositor."

A ONG ainda contabiliza, apenas no primeiro semestre, um recorde de violações da liberdade de expressão contra indivíduos, jornalistas ou não (veja quadro acima).

Jaime Nestares, diretor-geral do grupo que controla a FM 92.9, cujo sinal foi cortado pelo governo na última sexta (25), passara pela experiência dez anos antes.

Seu grupo era o dono da RCTV, uma das principais da Venezuela, que saiu do ar em 2007 após não ter sua concessão renovada por Chávez —a oposição considera que a medida teve motivação política.

"Eles querem criar o que chamam de hegemonia midiática, não aceitam ninguém que pense diferente", diz.

"Nossa rádio que tocava música jovem, com algumas paródias sobre o governo, mas o objetivo deles é nos intimidar e fazer com que nos nos autocensuremos", alega Nestares, que mantém a Rádio Caracas, estação AM de forte cunho opositor.

ANTICHAVISTAS

O chavismo e a mídia venezuelana nunca tiveram uma relação tranquila. Durante sua campanha à Presidência do país, Chávez sofreu oposição implacável de TVs, rádios e jornais, historicamente ligados a grupos oligárquicos que dividiram o poder na Venezuela no último século.

Em 2002, Chávez viu apoio maciço da imprensa ao golpe frustrado que sofreu. A RCTV, de Nestares, foi crucial na tentativa de tirá-lo do poder.

Para a pesquisadora do Instituto de Investigações sobre Comunicação da Universidade Central da Venezuela Luisa Torrealba, a ofensiva contra a imprensa neste ano é similar à feita em outro momento de fragilidade do chavismo.

"Foi entre 2007 e 2009, quando Chávez perdeu o referendo sobre a proposta de reforma constitucional que poderia lhe dar poderes quase absolutistas, que houve o maior número de fechamentos de emissoras no país", diz –foram 32 no período.

Para Torrealba, a crise econômica severa causada pela queda nos preços do petróleo e a consequente redução no apoio popular estão levando o governo a adotar práticas cada vez mais totalitárias.

"É um modelo de controle similar às ditaduras clássicas, mas a forma de executá-los é mais suave, menos bruta", diz. "No final, porém, o resultado é o mesmo: calar qualquer divergência de opinião e controlar as informações, especialmente as negativas, que chegam ao público."

O regime tem buscado maneiras de legitimar suas ações. Com os jornais, ou os adquire por meio de laranjas ou inviabiliza a operação negando papel. Com os canais estrangeiros, pressiona as operadoras de TV por assinatura. E, com as rádios, não concede novas concessões.

"Hoje mais de 400 emissoras de rádio na Venezuela estão no limbo, como nós estávamos. Há anos pedíamos a renovação da concessão, mas o governo a negava" diz Nestares, da FM 92.9. "Até que, um dia, apareceram às nove da noite e nos mandaram encerrar as operações por não termos os documentos."


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