Folha de S. Paulo


Com eleições próximas, Serra Leoa proíbe grupos de corrida

Jane Hahn/The New York Times
Atletas correm na praia de Aberdeen, em Freetown, Serra Leoa
Atletas correm na praia de Aberdeen, em Freetown, Serra Leoa

Era comum em Serra Leoa ver grupos de jovens praticando corrida nas ruas de cidades de todo o país nas manhãs dos dias úteis. A prática de exercícios físicos em grupo é uma atividade popular no país. Alguns grupos corriam em silêncio; outros cantavam e batiam palmas enquanto avançavam, às vezes seguindo veículos que tocavam música em alto volume.

Esses grupos de corredores são uma constante em Serra Leoa há décadas. As autoridades agora proibiram a prática, alegando que ela possibilita comportamento desordeiro e criminal.

Mas ativistas locais que defendem os direitos humanos condenaram a proibição, considerando que é uma tentativa de restringir as reuniões em grupo e de sufocar a livre expressão antes das eleições marcadas para o início de 2018.

A polícia nacional de Serra Leoa emitiu uma ordem no mês passado proibindo as corridas em grupo, dizendo que as autoridades "observaram consternadas" que grandes grupos de pessoas correm nas ruas "com um quê de ameaça, chovendo insultos sobre as pessoas, obstruindo o trânsito, dando socos em veículos, tocando música em alto volume" e assaltando os transeuntes.

Em entrevista à rádio em que defendeu a medida, o inspetor geral da polícia nacional leonesa, Francis Munu, disse que "elementos desordeiros" frequentemente participam dos grupos de corredores, "roubando telefones" e "provocando agitação pública".

Ele disse que entende que as pessoas deveriam ter o direito de se reunir em grupos e movimentar-se livremente, mas que os bandos de corredores colocam a segurança pública em risco.

Alguns corredores e outras pessoas reagiram com ceticismo.

Em Serra Leoa geralmente há pouco movimento nos finais de semana, o momento de pico das corridas em grupo. Desde a epidemia de ebola que se alastrou pelo país três anos atrás, matando milhares de pessoas, as lojas não abrem aos domingos. As ruas ficam virtualmente vazias, com a exceção dos corredores, que frequentemente vestem camisetas de futebol e às vezes carregam aparelhos de som.

"Como podem os corredores roubar telefones e provocar agitação pública num dia em que o comércio e os escritórios estão fechados e as ruas estão vazias?", perguntou Andrew Marrah, que corre aos domingos na capital, Freetown. "Não há razão para não nos deixarem correr."

Alguns grupos locais de defesa dos direitos humanos suspeitam que a proibição seja politicamente motivada. O governo estaria preocupado com a possível influência dos grupos de corredores, no momento em que o país se prepara para uma eleição presidencial importante.

Jane Hahn/The New York Times
Grupo de atletas faz alongamento na praia de Aberdeen, em Freetown, Serra Leoa
Grupo de atletas faz alongamento na praia de Aberdeen, em Freetown, Serra Leoa

O partido governista, Congresso de Todo o Povo, pode estar querendo evitar uma reprise dos acontecimentos que o ajudaram a chegar ao poder na campanha presidencial de dez anos atrás.

O partido, então oposicionista, foi acusado na época de pagar jovens –com dinheiro e álcool– para irem às ruas correr em bandos nos finais de semana, cantando canções de ódio e gritando palavras de ordem contra o governo.

O Congresso de Todo o Povo venceu aquela eleição, e seu candidato, Ernest Bai Koroma, se tornou o presidente. Koroma foi reeleito em 2012, mas não pode se candidatar novamente devido ao limite legal de mandatos presidenciais.

Dois políticos oposicionistas que provavelmente serão candidatos à Presidência, Julius Maada Bio e Kandeh Kolleh Yumkella, são vistos com frequência correndo nas ruas e praias de Freetown nos fins de semana.

Partidários correm atrás deles, cantando e gritando elogios. As multidões que os seguem vêm crescendo.

Segundo o secretário-geral do Movimento pelo Progresso Social, Karim Bah, a proibição das corridas em grupo reflete um governo que está preocupado com suas perspectivas eleitorais.

"Desde que o governo atual chegou ao poder, o direito à realização de protestos pacíficos é desrespeitado", disse Bah. "Precisamos defender nosso direito à liberdade de reunião. Esta proibição é inaceitável."

Protestos públicos são permitidos em Serra Leoa apenas com autorização da polícia, que raramente é concedida.

Até agora a proibição parece estar sendo aplicada principalmente a grupos que correm nas ruas. Samuel Saio Conteh, porta-voz da polícia leonesa, disse que os corredores ainda podem correr livremente em grupos nas praias e em áreas recreativas, como as pistas em volta de estádios de futebol.

A proibição atinge até mesmo membros das forças armadas nacionais, acostumados a correr nas ruas como parte de seus treinos, disse Conteh. Com a nova medida, também eles precisarão de autorização da polícia nacional.

Jane Hahn/The New York Times
Atletas na praia de Aberdeen, em Freetown, Serra Leoa
Atletas na praia de Aberdeen, em Freetown, Serra Leoa

Outros grupos também podem solicitar autorização policial para correr em grupos grandes.

"Quando a polícia recebe um pedido de autorização, sabe quem são os responsáveis em casos de desordem pública", explicou Conteh.

Muitos corredores temem que a proibição atrapalhe uma atividade que é uma parte importante de seu condicionamento físico.

Abu Bakarr Suma, de Freetown, é técnico de computadores e telefones. Dois anos atrás, percebeu que havia ganho peso demais e resolveu começar a se exercitar. Inicialmente ele corria por apenas 20 minutos em seu próprio bairro.

Mas, depois de entrar para um grupo de corredores, sua resistência física melhorou. Hoje ele consegue correr por até duas horas e já perdeu peso.

"Quando você corre em grupo, ninguém fica para trás", disse Suma. "A música, a cantoria e as palmas dão ânimo para você seguir adiante."

Tradução de CLARA ALLAIN


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