Folha de S. Paulo


Protestos políticos na Venezuela represam violência recorde no país

O sangue correu por baixo dos assentos segundos depois dos tiros. O som seco dos disparos ressoou cinco vezes dentro do ônibus, em pleno centro de Caracas, às 16h. Quando os assaltantes gritaram "entreguem os celulares", um homem abriu fogo. Em um capítulo comum no dia a dia venezuelano, o passageiro Adixon Sosa, 19, morreu com um tiro na cabeça.

A violência na Venezuela se tornou cotidiana. Homicídios, assaltos, sequestros, extorsões são abundantes em um país cujos índices de criminalidade estão no topo das estatísticas mundiais de insegurança.

Em 2016, o índice de homicídios na Venezuela chegou a 70,1 por 100 mil habitantes, segundo dados do Ministério Público, superando em muito a média da América Latina, situada em torno de 21 (por 100 mil). A do Rio de Janeiro, para efeito de comparação, foi de 20,8 homicídios para cada 100 mil habitantes no primeiro semestre de 2017.

A cifra extraoficial obtida anualmente pelo Observatório da Violência na Venezuela (OVV) foi de 91,8 assassinatos para cada 100 mil habitantes em 2016, totalizando 28.479 homicídios.

Esse dado colocou a Venezuela, com 30 milhões de habitantes, em segundo lugar entre os países mais violentos do mundo, abaixo somente de El Salvador.

Após dois anos de crescimento contínuo da violência, em 2017 o número de crimes diminuiu inesperadamente entre abril e julho. Os protestos convocados pela oposição contra o presidente Nicolás Maduro geraram uma nova dinâmica social. Se em janeiro foram assassinadas 504 pessoas em Caracas, em maio e junho o número caiu para 380, segundo o OVV.

"Isso não quer dizer que tenha havido um retrocesso nos crimes", afirma Roberto Briceño León, diretor da ONG. Segundo dados extraoficiais, entre janeiro e julho de 2017 foram contabilizados 9.600 homicídios, aos quais se devem somar os 1.980 mortos por resistência à autoridade. Até agora neste ano, portanto, foram contadas 11.580 mortes violentas, pouco menos que os 12.138 assassinatos ocorridos no mesmo período de 2016.

PROTESTOS

Para Javier Mayorca, especialista em criminologia, a realização de protestos incidiu no leve declínio das cifras.

"Para os antissociais, a questão da oportunidade é essencial. A estatística desacelerou porque um dos principais fatores da violência na Venezuela vem de policiais e militares, e durante esse período eles estavam nas ruas."

Quando os protestos esfriaram, os índices de criminalidade voltaram a subir.
"Apenas entre 14 e 15 de agosto houve 13 homicídios, catalogados como resistência à autoridade. Com a volta à normalidade, a tendência é aumentar", afirma Mayorca.

Quando Hugo Chávez chegou ao poder em 1999, a violência vinha crescendo.

"Tudo começou com a explosão social conhecida como Caracazo, em 1989, que significou o rompimento da convivência social no país", explica a historiadora Margarita López Maya.

A crise política dos anos 1990 levou à erosão das instituições democráticas, até a chegada de Chávez.

"Mas nestes 18 anos o poder se concentrou em uma cúpula, sem controle. Os indicadores mostram que a criminalidade não parou, ela tendeu a se acentuar. A corrupção se transformou assim em caldo de cultivo para os crimes", afirma López.

Dos mais de 20 mil venezuelanos assassinados em 2016, 86,6% foram vítimas de armas de fogo. Na opinião da ex-procuradora-geral da Venezuela Luísa Ortega Díaz, isso evidencia como é necessário desarmar a população civil. Nos últimos dez anos, o porte de armas foi controlado pelas Forças Armadas.

Em 2009 a Anistia Internacional advertiu que na Venezuela havia cerca de 6 milhões de armas ilegais.

O cálculo mais recente foi feito pela Comissão de Desarmamento em 2012, que determinou que havia no país entre 1,2 milhão e 1,5 milhão de armas sem registro.

Tarek William Saab, na qualidade de Defensor do Povo, afirmou em março deste ano que o Estado tinha destruído quase 500 mil armas de fogo desde meados de 2013, o que não representa nem a metade das ilegais.

Saab, que hoje é o procurador-geral nomeado pela Assembleia Constituinte chavista, sugeriu criar um registro das armas de posse dos policiais e militares. O conselho ficou apenas nas palavras.

CRIMINALIDADE NA VENEZUELA - Homicídios têm leve queda durante onda de protestos


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