Folha de S. Paulo


Aliados criticam cautela de Trump em condenar violência da extrema direita

O presidente Donald Trump raramente reluta em expressar sua opinião, mas frequentemente age com cautela quando se trata de criticar a violência e o discurso incendiário de nacionalistas brancos, neonazistas e ativistas da extrema direita, alguns dos quais são seus partidários.

Após dias de interações bombásticas com a mídia noticiosa em declarações sobre a Coreia do Norte e as deficiências de parlamentares republicanos, no sábado Trump condenou os protestos violentos em Charlottesville, Virgínia, usando palavras que para críticos tanto democratas quanto republicanos foram moderadas e ambíguas.

Jonathan Ernst - 12.ago.2017/Reuters
O presidente dos EUA, Donald Trump, se pronuncia sobre os protestos em Charlottesville no sábado (12)
O presidente dos EUA, Donald Trump, se pronuncia sobre os protestos em Charlottesville no sábado (12)

Em uma declaração breve e pouco à vontade que o presidente deu a jornalistas em seu resort de golfe em Bedminster, Nova Jersey, Trump pediu o fim da violência. Mas ele foi a única figura política nacional a atribuir a "muitos lados" a culpa pelo "ódio, preconceito e violência" que resultaram na morte de uma pessoa.

A maioria dos líderes republicanos e outros aliados do presidente guarda silêncio há vários meses em relação às explosões retóricas de Trump e seus posts irados no Twitter. Mas recentemente eles pararam de desviar o olhar, e no sábado alguns criticaram como insuficiente sua reação ao que aconteceu em Charlottesville.

"Sr. Presidente, precisamos chamar o mal por seu nome", tuitou o senador republicano Cory Gardner, do Colorado, que dirige o Comitê Senatorial Republicano Nacional, o braço de campanha dos republicanos no Senado.

"Foram supremacistas brancos, e o que aconteceu foi terrorismo doméstico", acrescentou Gardner. Vários de seus colegas fizeram a mesma descrição.

Mike Huckabee, ex-governador do Arkansas e pai da secretária de imprensa da Casa Branca, Sarah Huckabee Sanders, não contestou diretamente as declarações de Trump, mas descreveu o comportamento dos nacionalistas brancos em Charlottesville como "perverso".

Democratas sugeriram que Trump simplesmente não quer incorrer no desagrado da parcela de sua base eleitoral branca que abraça o preconceito.

O presidente já rejeitou fortemente qualquer sugestão de que ele próprio tenha qualquer tipo de preconceito racial ou étnico, apontando para seu genro Jared Kushner, judeu praticante, e sua filha Ivanka, que se converteu ao judaísmo, como prova de que é inclusivo.

Em um post no Twitter no sábado, Trump mencionou a inclusão.

"Precisamos nos lembrar desta verdade: não importa qual seja nossa cor, nossa fé, nossa religião ou nosso partido político, somos TODOS AMERICANOS EM PRIMEIRO LUGAR", ele escreveu, ecoando seu discurso de campanha, "America First" (A América em Primeiro Lugar).

Mas, como várias outras declarações que Trump fez no sábado, o tuite não mencionou o fato de que a violência em Charlottesville foi iniciada por supremacistas brancos brandindo cartazes antissemitas, bandeiras dos Confederados, tochas e algumas placas da campanha de Trump.

Trump cresceu em um enclave rico e predominantemente branco de Queens. Em 1989 ele pagou por um anúncio de página inteira no "New York Times" pedindo a pena de morte para cinco adolescentes negros condenados pelo estupro de uma mulher branca no Central Park, crime do qual foram absolvidos mais tarde.

Durante a campanha de 2016, ele flertou com controvérsias racistas. Expressou indignação diversas vezes diante da ideia de que alguém pudesse sugerir que ele fosse preconceituoso.

Quando retuitava relatos de supremacistas brancos, ignorava perguntas sobre eles. Quando foi perguntado sobre o apoio que recebeu de David Duke, ex-líder do Ku Klux Klan, ele se irritou, insistindo que não conhecia Duke.

Finalmente, numa entrevista coletiva à imprensa na Carolina do Sul, Trump, pressionado sobre Duke, disse "eu renego". Mais tarde, descreveu Duke como uma "má pessoa".

Quando seu diretor de mídia social, Dan Scavino, postou no feed de Twitter de Trump uma imagem da estrela de Davi perto da cabeça de Hillary Clinton, enquanto caía uma chuva de dinheiro, Trump rejeitou as críticas generalizadas de que a imagem seria antissemita.

E, depois de passar anos questionando a cidadania americana do presidente Barack Obama, ele culpou outros por terem levantado essa questão em primeiro lugar.

Em entrevista que foi ao ar em setembro, Trump disse: "Sou a pessoa menos racista que você já conheceu", declaração que reiterou numa coletiva de imprensa na Casa Branca em fevereiro.

Em Bedminster, no sábado, Trump disse que ele e sua equipe estavam "acompanhando de perto os acontecimentos terríveis em Charlottesville", depois tentou retratar a violência ali como uma praga crônica e bipartidária. "Isso vem acontecendo há muito tempo em nosso país", ele disse. "Não é Donald Trump. Não é Barack Obama."

Trump não criticou os participantes da manifestação, entre os quais estavam o supremacista branco Richard Spencer e David Duke, por sua ideologia.

Enquanto democratas e alguns republicanos criticaram Trump por ser genérico e vago demais, Duke esteve entre os poucos críticos de Trump para os quais o presidente foi longe demais.

"Eu recomendaria ao senhor que se olhasse bem no espelho e lembrasse que foram os americanos brancos que o conduziram à Presidência, e não os esquerdistas radicais", Duke escreveu no Twitter pouco após a fala do presidente.

O presidente manteve silêncio em relação à violência durante a maior parte da manhã, mas o presidente da Câmara, Paul Ryan, a mulher de Trump, Melania, e dezenas de outras figuras públicas condenaram a marcha.

Usando sua conta de Twitter oficial, Melania Trump escreveu: "Nosso país incentiva a liberdade de expressão, mas vamos nos comunicar sem ódio no coração. A violência não produz nada de bom. #Charlottesville."

Paul Ryan foi ainda mais explícito. "As ideologias que alimentaram o que se viu em Charlottesville são repugnantes. Que isso sirva apenas para unir os americanos contra esse tipo de preconceito vil", ele escreveu no Twitter ao meio-dia, mais ou menos na mesma hora em que o governador da Virginia, Terry McAuliffe, declarava estado de emergência na cidade.

Tradução de CLARA ALLAIN.


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