Folha de S. Paulo


Desnutrição e busca de comida no lixo refletem escassez na Venezuela

Oscar González Grande/Folhapress
Sarahy, 23, leva o filho Bryan, de 14 meses, ao hospital; mãe pesa 39 kg e filho não passa dos 7 kg
Sarahy, 23, leva o filho Bryan, de 14 meses, ao hospital; mãe pesa 39 kg e filho não passa dos 7 kg

Com 14 meses de vida, Bryan pesa 7 kg e mede pouco mais de 60 cm. Para se ter uma ideia, o peso médio de uma criança de 1 ano é de 10 kg, e Bryan tem o tamanho de um bebê de 4 meses.

Braços e pernas esqueléticos são as marcas da desnutrição que sofre desde os dois meses, quando, pesando menos de 1,5 kg, foi internado na UTI do Hospital J. M. de los Ríos, principal centro pediátrico de Caracas.

"Só pude amamentá-lo durante 11 dias", contou sua mãe, Sarahy M., 23.

"Não conseguia leite em pó, comecei a lhe dar creme de arroz e leite integral, e ele pegou uma bactéria que causava vômito e diarreia. Quando o trouxe para o hospital, estava com os ossos colados na pele. Disseram-me que tinha desnutrição severa."

Na última vez que subiu numa balança, a mãe de Bryan pesava 39 kg. Ela disse que perdeu quase um quarto de seu peso em um ano, porque a prioridade da comida é para seus dois filhos.

"Um dia comemos uma xícara de arroz entre os três, a dividimos para o almoço e o jantar, e no dia seguinte uma de lentilha. Às vezes compro bananas e mandioca. Não lembro da última vez que comemos frango ou carne."

Diante da desconfiança sobre os dados oficiais, médicos e pesquisadores desenvolveram iniciativas próprias para estudar a crise alimentar na Venezuela.

Para Marianella Herrera, diretora do Observatório Venezuelano de Saúde (OVS), a desnutrição é um problema claro no país, embora seja difícil quantificar devido às dificuldades impostas pelo governo. "Em 2014, começamos a Pesquisa sobre Condições de Vida. Naquele ano, 80% dos lares indicaram renda insuficiente para comer. Em 2016, subiu para 93%."

A última edição da pesquisa revela que, na Venezuela, 30% da população (9 milhões de pessoas) come duas ou menos porções de cem gramas (o equivalente a uma xícara de arroz) por dia.

A última vez que o governo publicou números sobre o assunto foi em 2015, quando o Instituto Nacional de Estatísticas (INE) reconheceu que 1,7 milhão de venezuelanos (5,6% da população) viviam essa realidade.

Quando Hugo Chávez assumiu a Presidência, em 1999, o índice de pobreza era 49%. Ele desfrutou de uma década de bonança graças ao aumento dos preços do petróleo, produto que garante 96% das receitas nacionais, e implementou uma série de políticas sociais redistributivas. De 2000 a 2011, a pobreza significativa diminuiu para 29%.

Em 2012, porém, Chávez já tinha destruído grande parte da cadeia produtiva nacional, tentando suplantá-la com programas estatais. A queda dos preços do petróleo em 2014 e a disparidade cambial ajudaram a desenhar o panorama econômico atual.

"Com uma receita cada vez menor, a capacidade de importação foi afetada, e o sistema de distribuição ficou reduzido. A consequência foi a fome", afirma o economista Ronald Balza.

Em 2015, a escassez de alimentos básicos ficou entre 50% e 80%, e a inflação se tornou a mais alta do mundo, superior a 600%, segundo dados do FMI (Fundo Monetário Internacional).

O governo reconhece que há crise, mas a atribui a uma "guerra econômica" orquestrada por empresários, a oposição e os países estrangeiros.

Oscar González Grande/Folhapress
Crianças venezuelanas procuram comida dentro de sacos de lixo no centro de Caracas
Crianças venezuelanas procuram comida dentro de sacos de lixo no centro de Caracas

'DIETA DE MADURO'

Na Venezuela há hoje três modalidades para comer do lixo: recolher legumes e verduras que restam das raras feiras livres; recuperar sobras de restaurantes; e vasculhar latões de lixo, onde é mais garantido conseguir doenças do que comida.

Na quarta (9), no bairro La Candelaria, em Caracas, oito adultos e seis crianças reviravam sacos de lixo deixados em uma esquina. Era quase meio-dia, por isso se apressavam para encontrar o "café da manhã". Não responderam às perguntas. "Temos fome", foi a única coisa que disse uma das mulheres.

Os críticos do governo batizaram a situação de "a dieta de Maduro" —que, aliás, não sente o choque da frase e até a utiliza, em tom de piada, em eventos públicos transmitidos pela televisão.

Em um ato dos Comitês Locais de Abastecimento e Produção (Clap), programa de distribuição de alimentos subsidiados que o governo iniciou em 2016, Maduro perguntou a um trabalhador por que estava tão magro.

Aos risos, alguém respondeu que era a "dieta do Maduro". Ao que ele retrucou: "A dieta do Maduro o deixa duro sem precisar de Viagra".


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