Folha de S. Paulo


Repressão do regime Maduro se intensifica no interior da Venezuela

Carlos Eduardo Ramirez - 29.mai.2017/Reuters
Guardas nacionais enfrentam manifestantes que queimaram moto em San Cristóbal, em Táchira
Guardas nacionais enfrentam manifestantes que queimaram moto em San Cristóbal, em Táchira

As imagens de confrontos entre as forças da ditadura venezuelana e os opositores do regime passaram a ser cada vez mais comuns nos noticiários internacionais, principalmente a partir de abril, quando se intensificou a violência. Desde então, já se contam ao menos 122 mortos —a ONG Foro Penal Venezuelano fala em 133 até 31 de julho.

A cara menos visível e mais sangrenta da repressão, porém, não está em Caracas, onde ainda é possível filmar, gravar ou transmitir imagens por meio da imprensa local ou estrangeira —ainda que sob constante risco.

Em Estados do interior, principalmente nas cidades com grande concentração de estudantes e sem cobertura por meios independentes, as cifras da repressão são mais altas.

Segundo o Relatório Sobre a Repressão de Estado realizado pela Foro Penal, apenas em julho foram dez mortos em Mérida, nove em Táchira e seis em Lara.

De lá, também, vêm os relatos mais dramáticos. "Entrei para a Resistência [grupo de jovens estudantes que se opõem ao ditador Nicolás Maduro] em 2014. Cresci em Barquisimeto [capital de Lara] e queria estudar música.

Mas, desde que isso começou, só fiz combater", conta à Folha, por videoconferência, Dunckan Quevedo, 17, que, desde a semana passada, se autoexilou em Nova York.

"Nós treinávamos, construíamos armas caseiras, equipamento de defesa, e nos movimentávamos. Onde houvesse combate, a Resistência enviava guerreiros", diz.

depoimento de Dunckan Quevedo

Segundo Quevedo, a repressão em Barquisimeto foi muito violenta. "E não dava para registrar nada. A primeira coisa que a Guarda Nacional Bolivariana ou os coletivos [milícias chavistas] faziam com alguém que tivesse uma câmara ou gravasse algo pelo celular era destruí-los. Lá não tem jornalista, não tem TV cobrindo."

Quevedo conta que vários de seus companheiros foram feridos, mas que levá-los ao hospital passou a não ser uma opção.

"Era melhor que a Guarda não soubesse se a gente tinha sobrevivido ou morrido, porque depois de um tempo eles já tinham marcado todos nós. Então preferíamos deixa-los na dúvida e levávamos nossos feridos para casas de pessoas que nos apoiavam. Se fôssemos para um hospital, na saída sempre havia oficiais esperando para nos levar."

Quevedo conta que construiu seu escudo com chapas de raio-x que um médico distribuiu aos garotos. "Se o tiro vinha de longe, mesmo que fosse de escopeta, o escudo parava", conta, com ar orgulhoso. "E nós também os revestíamos com CDs. Isso confundia a visão dos guardas."

Ele narra que sempre alguém ficava de guarda no alto dos edifícios na entrada da cidade. "Mas eles começaram a vir com mais força. Antes, chegavam em carros e armados com metralhadoras, depois vieram os tanques, os comboios, e os soldados com aqueles óculos para se movimentar no escuro. Nós começamos a tapar tudo, selar tudo, armar barricadas, para não entrarem na cidade."

De suas noites de plantão no alto do prédio em que seu grupo se reunia, Quevedo diz que também via como carros do governo iam para os bairros pobres carregando caixas.

"Nós fomos nos informar com amigos que viviam lá, e eles nos confirmaram. A guarda levava comida e armas para que as pessoas do bairro atacassem a gente. Até crianças de 5 a 8 anos estavam atirando na gente em troca de comida, porque em Barquisimeto já não havia mais nada nos mercados."

REPRESSÃO NA VENEZUELA - Reação da ditadura de Nicolás Maduro a protestos deixou 133 mortos de 1º.abr a 31.jul

FIM DA LUTA

Nascido nos EUA, Quevedo diz que sua mãe começou a temer por sua vida e insistiu que ele fosse viver com os parentes em Nova York.

"Eu não queria ir, nós queríamos parar a Constituinte. Mas fiz um acordo com minha mãe que, se a Constituinte passasse, eu desistia da luta e iria embora."

Como ele, fizeram o mesmo vários de seus companheiros. "Nós éramos um grupo muito unido, e já sinto a falta deles. Mas todos colocaram o 30 de julho como data final, porque alguns tinham família. O líder do meu grupo tinha filhos, estava preocupado. Então cada um começou a pensar em ir. Quem pode sair está saindo."

A Folha o conheceu no aeroporto, dois dias após a votação. Quevedo contou então que o plano agora era terminar os estudos nos EUA e viver um tempo em Nova York.

Na noite anterior a seu embarque, disse que se reuniu com os amigos pela última vez. "Queríamos uma festa, mas não podíamos fazer barulho, pois a Guarda estava por todos os lados. Só nos abraçamos. E chorei muito."


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