Folha de S. Paulo


Análise

Governo Trump exagera ao festejar sanções à Coreia do Norte

O governo Donald Trump (e seus partidários) está celebrando a aprovação da Resolução 2.371 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que impõe novas e severas sanções econômicas à Coreia do Norte.

Nikki Haley, a embaixadora dos Estados Unidos na ONU, descreveu a decisão como "um novo dia" para a organização, e seu gabinete divulgou um comunicado afirmando que as sanções poderiam reduzir em até um terço a receita anual de US$ 3 bilhões que a Coreia do Norte aufere com exportações.

Reuters
Imagem da agência estatal KCNA mostra míssil balístico norte-coreano sendo lançado para teste
Imagem da agência estatal KCNA mostra míssil balístico norte-coreano sendo lançado para teste

A esperança, claro, é de que a pressão leve Pyongyang a reconsiderar seus esforços para expandir e refinar as capacidades de seus mísseis balísticos de longo alcance.

Mesmo críticos confiáveis de Trump, como Michael McFaul, antigo embaixador norte-americano em Moscou, e Daniel Drezner, professor de política internacional na Universidade Tufts, elogiaram a resolução, definindo-a como grande realização diplomática. Não quero ser um desmancha-prazeres, mas permitam-me registrar minha modesta discordância.

É claro que a resolução representa um passo positivo, e estou mais que disposto a conferir pleno crédito à embaixadora Halley, ao secretário de Estado Rex Tillerson, a Jared Kushner, a Trump mesmo ou até aos caddies dele no golfe, por o que quer que tenham feito para comandar a aprovação da resolução no conselho.

Estou até, olha só, disposto a definir a resolução como o melhor momento do governo Trump até agora —pelo menos desta vez não alienamos um aliado, fomentamos uma crise regional, erramos a grafia do nome de um líder estrangeiro, nos confundimos sobre seu posto e nacionalidade, ou rasgamos um valioso acordo multilateral.

Mas é melhor que não exageremos nos elogios. Saúdo McFaul, Drezner e outros por sua imparcialidade e por se disporem a reconhecer os méritos de quem os merece, mas talvez haja bem menos a elogiar, nesse caso, do que muita gente parece supor.

Para começar, conseguir que o Conselho de Segurança da ONU aprove uma resolução contra a Coreia do Norte não é exatamente uma batalha.

É possível identificar pelo menos outras 15 resoluções de condenação à Coreia do Norte desde que ela abandonou o Tratado de Não Proliferação Nuclear, em 1993; e o Conselho de Segurança já havia aprovado uma resolução decretando sanções contra a Coreia do Norte em março desde ano.

A Coreia do Norte está mais próxima do isolamento completo do que qualquer outro país do planeta, e mesmo seus patronos chineses deixaram claro que não gostam do ou confiam muito no mais recente Kim a herdar o negócio da família.

A China não quer o colapso da Coreia do Norte, e certamente não gostaria de ver a península coreana unificada sob um governo pró-americano em Seul, mas tampouco gosta das capacidades nucleares ou do programa de mísseis de Pyongyang —como todos os demais países do planeta. Em alguma medida, portanto, conseguir a aprovação dessa resolução era como permitir que água corresse colina abaixo.

Segundo, não está de forma alguma claro que proporção do crédito deveria ser atribuída aos Estados Unidos. Como apontei acima, a Coreia do Norte merece a maior parte do crédito por essa exibição de unidade entre as grandes potências, porque diversas de suas atividades e sua retórica incansavelmente belicosa vêm alarmando os países vizinhos há anos.

Mais que isso, a resolução não impõe embargo às importações de petróleo norte-coreanas e nem proíbe bancos chineses de operarem no país, e essas omissões limitam o impacto da medida sobre Pyongyang e também preservam importantes interesses chineses.

Em resumo, os Estados Unidos não obtiveram uma resolução ao pressionar inteligentemente ou argumentar persuasivamente, mas sim porque se dispuseram a acomodar as ressalvas de Pequim.

Como disse Bonnie Glaser, do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, ao "South China Morning Post", a resolução na verdade representa uma vitória para a China, porque "Pequim evitou sanções adicionais a bancos e a entidades chineses que auxiliam a Coreia do Norte, por enquanto".

Terceiro, resta determinar se todos os signatários cumprirão sua promessa de cortar em cerca de US$ 1 bilhão o comércio externo norte-coreano. Assinar uma resolução é uma coisa, mas cortar valiosos elos comerciais ou reprimir redes ilícitas de contrabando e outros negócios clandestinos é coisa muito diferente.

Os esforços de sanção são sempre algo porosos, e minha aposta é de que a Coreia do Norte encontrará maneiras de contornar algumas dessas restrições, e alguns signatários convenientemente olharão para o outro lado.

O mais importante é que não existe motivo para acreditar que a resolução resolverá o problema em questão, da mesma maneira que resoluções anteriores não o fizeram.

Sanções devem servir a um fim, mas não são um fim em si mesmas, e o objetivo de uma Coreia do Norte desprovida de armas nucleares e/ou mísseis provavelmente não está ao nosso alcance não importa o que faça o Conselho de Segurança.

A Coreia do Norte claramente acredita em que ter capacidades dissuasórias nucleares é crítico para sua sobrevivência em longo prazo (e está provavelmente certa quanto a isso), e não pretende abandonar essa ambições por via negociada, não importa o quanto os Estados Unidos (e outros) tentem pressioná-la.

E porque Pequim não deseja o colapso do regime, há limites quanto ao que a China fará para sinalizar desprazer com seu difícil vizinho. Pyongyang respondeu à votação do Conselho de Segurança com sua atitude habitual de desafio, e nesse caso estou inclinado a acreditar no que os norte-coreanos dizem.

Uma comparação com o Irã é instrutiva. Os Estados Unidos conseguiram organizar sanções multilaterais formidáveis contra as atividades nucleares do Irã e muita gente atribui às sanções o fato de que Teerã tenha por fim aceitado o Plano Abrangente de Ação Conjunta (JCPOA), que restringiu seus programas nucleares.

Mas o Irã jamais acatou a exigência norte-americana de que abandonasse totalmente sua capacidade de enriquecimento ou seu estoque integral de urânio enriquecido, e não há porque acreditar que o viesse a fazer.

Os Estados Unidos e os demais signatários do JCPOA conseguiram acordo porque fizeram algumas concessões, e o tratado resultante impediu o Irã de chegar mais perto de desenvolver capacidade nuclear bélica efetiva.

Mas a Coreia do Norte já passou desse limiar, o que restringe ainda mais as formas de pressão disponíveis para os Estados Unidos e a China.

Dadas suas vulnerabilidades e o fato de que seus inimigos são muito mais fortes em termos econômicos e militares, a Coreia do Norte não vai deixar de tentar desenvolver independentemente uma capacidade dissuasória confiável. Os Estados Unidos (e outros) podem desacelerar esse desenvolvimento, mas é só.

Por todos esses motivos, temo que essa mais recente resolução tenha impacto menor do que parece. Vale repetir: é um desdobramento positivo, e é reconfortante ver que o governo Trump consegue fazer alguma coisa certo. Mas se eu trabalhasse na Casa Branca, não começaria ainda a redigir discursos de aceitação do Prêmio Nobel da Paz.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

Editoria de Arte/Folhapress

Endereço da página:

Links no texto: