Folha de S. Paulo


Para especialistas, fã de Trump em rede social pode ser robô russo

Na manhã de sábado (5), o presidente Donald Trump usou o Twitter para expressar sua gratidão a uma superfã que ele tem na mídia social, Nicole Mincey, e reproduziu para os seus 35 milhões de seguidores os elogios que ela lhe fez.

Eis o problema: não existe prova alguma de que a conta de Twitter em questão pertença a alguém chamado Nicole Mincey. E os especialistas consideram que há muitos indícios de que a conta seja parte de uma campanha de desinformação promovida pela Rússia.

No domingo (6), o Twitter suspendeu a conta de Mincey, @ProTrump45, depois que diversos outros usuários a denunciaram como conta falsa, criada provavelmente para divulgar conteúdo favorável ao presidente.

O incidente expõe o pendor de Trump a escrever de improviso no Twitter –e as potenciais consequências de fazê-lo agora que ele ocupa o mais alto posto do país.

Enquanto o presidente critica ferozmente as diversas investigações sobre a interferência russa na política norte-americana, ele pode ter se tornado a prova mais gritante da influência de um governo estrangeiro, ao destacar uma conta de mídia social suspeita de conexões com a Rússia –parte de uma campanha sofisticada para exacerbar as disputas na política dos Estados Unidos e atrair a atenção do mais poderoso dos usuários do Twitter.

"O presidente não sabe se a conta é ou não um bot [robô] russo", disse Clint Watt, antigo agente do Serviço Federal de Investigações (FBI) e pesquisador do Instituto de Pesquisa de Política Externa, usando o termo que designa uma falsa conta de Twitter que finge representar uma pessoa real, criada para influenciar a opinião pública ou promover uma determinada agenda.

"Ele está simplesmente promovendo uma narrativa, não importa se verdadeira ou falsa. Isso oferece oportunidades, não só para a Rússia mas para qualquer adversário, tanto de influenciar o presidente quanto de desacreditá-lo".

Quando candidato, Trump ganhou notoriedade por reproduzir tuítes de contas de origem dúbia, entre as quais mensagens de um usuário com o nome de @whitegenocideTM, e por disseminar memes antissemitas originários de alguns dos quadrantes mais obscuros da internet.

Agora que ele é presidente, não muita coisa mudou. Trump continua rotineiramente a reproduzir tuítes caso um usuário ecoe suas críticas a seus adversários ou o elogie profusamente –não importa quem seja o usuário ou quais possam ser seus motivos.

Assessores e conselheiros deram a entender que Trump foi instado a moderar seus hábitos no Twitter, mas o presidente encerrou essas conversas rapidamente, de acordo com duas pessoas que presenciaram diálogos desse teor.

Também houve momentos em que discussões públicas sobre sua conta de Twitter o levaram a uma barragem de mensagens –talvez um sinal implícito de que não pretende abrir mão de escrever seus tuítes pessoalmente agora que está na Casa Branca.

Carlos Barria/Reuters
Os presidentes Vladimir Putin (Rússia) e Donald Trump (EUA) se encontram durante conferência do G20 em Hamburgo, na Alemanha
Os presidentes Vladimir Putin (Rússia) e Donald Trump (EUA) se encontram durante conferência do G20

As mensagens frenéticas de Trump no Twitter nos últimos dias, por exemplo, surgiram depois de fortes especulações de que o novo chefe de sua Casa Civil, John Kelly, poderia tentar exercer maior controle sobre a conta presidencial no Twitter. A reação de Trump? Isso provavelmente não acontecerá.

Nos seus seis meses de governo, o antigo chefe da Casa Civil de Trump, Reince Priebus, não se provou capaz de conter as diatribes do chefe na mídia social. Advogados tentaram sem sucesso convencer o presidente sobre os riscos de discutir as investigações em curso sobre a interferência russa na eleição de 2016 e o possível envolvimento de alguns de seus dirigentes de campanha na trama.

Kelly está diante de desafio semelhante. De acordo com pessoas que conversaram com ele, o novo chefe da Casa Civil não acredita que será capaz de mudar o comportamento de Trump na mídia social, e avalia que tentar fazê-lo acarreta riscos, entre os quais o de deterioração no seu relacionamento com o presidente.

Na manhã de segunda-feira (7), quando Kelly completou duas semanas no posto, Trump disparou nove tuítes, entre os quais uma retomada de seus ataques ao senador Richard Blumenthal, democrata do Connecticut, à mídia das "notícias falsas", às "pesquisas falsas das notícias falsas" e à "notícia falsa sobre conluio com Rússia".

Enquanto Trump continua desacreditando a investigação sobre a Rússia, um grupo bipartidário de antigos funcionários do Conselho de Segurança Nacional e de pesquisadores afirmou que os esforços coordenados, e apoiados por um governo estrangeiro, para difundir desinformação durante a campanha de 2016 foram muito reais.

"Entre 19% e 20% das mensagens no mês anterior à eleição se originaram de bots", disse Emilio Ferrara, pesquisador da Universidade do Sul da Califórnia que conduziu pesquisas sobre o impacto dos bots na eleição de 2016. "Acreditamos que cerca de 400 mil contas que postaram tuítes sobre a conversação política no período fossem bots".

E essas contas parecem ter conquistado ainda mais espaço depois da eleição, entre os mais ardorosos partidários de Trump online.

Ting Shen/Xinhua
(170731) -- WASHINGTON D.C., julio 31, 2017 (Xinhua) -- El jefe de gabinete de la Casa Blanca, John Kelly (c), participa durante una ceremonia en la Casa Blanca, en Washington D.C., Estados Unidos, el 31 de julio de 2017. De acuerdo con información de la prensa local, John Kelly, el exsecretario de Seguridad Nacional, fue juramentado como el nuevo jefe de gabinete de la Casa Blanca del presidente estadounidense, Donald Trump. (Xinhua/Ting Shen) (da) (rtg)
O chefe de gabinete da Casa Branca, John Kelly, participa de cerimônia militar na Casa Branca

Na semana passada, um exército de contas virtuais identificado como ligado aos esforços da Rússia para desestabilizar o sistema político dos Estados Unidos aderiu aos esforços de simpatizantes de Trump para atacar H. R. McMaster, seu assessor de segurança nacional, por ter demitido dois integrantes leais ao presidente do Conselho de Segurança Nacional.

Uma ferramenta criada por um grupo bipartidário de especialistas em segurança nacional e pesquisadores para rastrear propaganda originária da Rússia descobriu que o hashtag #demitaMcMaster ganhou popularidade nas contas de desinformação ao mesmo tempo em que diversos usuários influentes do Twitter, todos partidários de Trump, adotaram posição hostil a McMaster.

Na sexta-feira, os apelos pela demissão de McMaster se haviam tornado tão ruidosos que Trump fez uma declaração pública defendendo o assessor.

"Dentro do Partido Republicano, isso causa questões para algumas pessoas da direita, que obviamente têm diferentes opiniões sobre alguém como o general McMaster, mas a realidade é que existe uma potência estrangeira em ação tentando promover uma agenda", disse Jamie Fly, antigo assessor do senador Marco Rubio, republicano da Flórida.

Fly ajudou a criar o projeto Hamilton 68, para rastrear a influência da propaganda online vinculada à Rússia.

Pesquisadores dizem que as contas falsas às vezes disseminam conteúdo de fontes conhecidas por sua associação com a Rússia, como a [agência de notícias] Sputnik ou o [canal de TV estatal russo] RT, que depois é reproduzido por conservadores norte-americanos. Ou podem amplificar conteúdo gerado por veículos de extrema direita conhecidos por sua prática de desinformação, como o Gateway Pundit ou o Infowars.

Fly disse que o uso generoso do Twitter por Trump só eleva o retorno sobre o investimento, para uma potência estrangeira como a Rússia, interessada em semear a discórdia no sistema político norte-americano.

A falta de rigor de Trump ao reproduzir mensagens beneficia essas contas, que geram largo volume de conteúdo na esperança de atrair a atenção do presidente para alguns temas.

"O uso do Twitter por ele deu mais valor à plataforma", disse Fly. "Criou uma situação na qual pode ser ainda mais útil para uma potência estrangeira, como a Rússia, tentar influenciar o debate no Twitter".

No caso da conta que recebeu um caloroso "obrigado Nicole!" de Trump no sábado, o Twitter não informa exatamente por que ela foi suspensa.

Investigadores online postaram provas de que a conta mudou de nome diversas vezes, mais recentemente no final de semana passado.

Especialistas dizem que contas como essa muitas vezes desaparecem rapidamente assim que são expostas ou atingem seu objetivo. Ninguém chamado Nicole Mincey apareceu para reivindicar a conta.

"Não comentamos sobre contas individuais, por motivos de privacidade e segurança", disse um porta-voz do Twitter em resposta a perguntas sobre o motivo da suspensão da conta.

Em dado momento, a conta chegou a ter 150 mil seguidores, e de acordo com outros usuários do Twitter era ligada a contas semelhantes, o que especialistas afirmam representar uma rede para disseminação de propaganda.

Essas contas muitas vezes são usadas como veículos para difundir memes a favor de Trump e contra o Partido Democrata. As contas muitas vezes usam imagens de livre acesso alteradas com itens portando o nome de Trump.

O governo Trump parece resistir a enfrentar o crescente problema da propaganda online russa, e legisladores e especialistas em segurança nacional afirmam que as táticas usadas na campanha de 2016 continuam a ser empregadas.

O Congresso reservou US$ 80 milhões em verbas para combater a propaganda do Estado Islâmico e a desinformação russa online, mas o Departamento de Estado ainda não usou o dinheiro, o que gerou condenação bipartidária, do senador Rob Portman, republicano do Ohio, e do senador Chris Murphy, democrata do Connecticut, autores do projeto que criou o fundo.

"O desafio da desinformação russa não se refere a Donald Trump. É muito maior que isso", disse Portman em discurso no Conselho Atlântico, em julho. "Já era problema sério antes dele e vai continuar a ser problema muito depois que ele deixar o cargo".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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