Folha de S. Paulo


Educação sob Maduro tem escolas sem professores e evasão de alunos

Oscar Gonzalez Grande/Folhapress
Sala de aula de escola pública em Petare, na periferia de Caracas; Maduro antecipou férias para que escolas fossem locais de votação da Constituinte
Sala de aula de escola pública em Petare, na periferia de Caracas; Maduro antecipou férias para que escolas fossem locais de votação da Constituinte

Na Escola Popular Roca Viva do bairro Isaías Medina Angarita de Petare já não se joga futebol. A diretora da instituição, situada na maior favela da América Latina, decidiu no começo de 2017 que a prática desse esporte seria reduzida ao mínimo, entre os alunos de 7 a 14 anos, e reorientou as atividades de educação física a algo menos desgastante.

A maioria das crianças costumava desmaiar no pátio da escola. Dormiam sem jantar e de manhã chegavam sem tomar o café da manhã.

Há dois anos, a profunda crise de alimentos distorceu a dinâmica tanto familiar como das salas de aula, produzindo recordes de faltas e abandono escolar. Só neste ano, 9% dos alunos deixaram o ensino fundamental, e 13%, o ensino médio, por esse motivo, segundo números da ONG Observatório Educativo da Venezuela.

"Estimamos que mais de 500 mil crianças e adolescentes, no ensino fundamental e médio, tenham abandonado esse período escolar que acaba de terminar por conta da questão alimentar", afirma Juan Maragall, secretário de Educação de Miranda, Estado governado pela oposição.

Oscar Gonzalez Grande/Folhapress
Pintura com o rosto de Hugo Chávez em fachada de escola pública em Petare, Caracas
Pintura com o rosto de Hugo Chávez em fachada de escola pública em Petare, Caracas

Os dados de deserção são reveladores: 87% dos alunos terminam o ciclo primário de educação na Venezuela, superando a média regional de 75%, mas apenas 25,7% finalizam o ciclo secundário, abaixo dos 43%, em média, da América Latina, de acordo com o último estudo divulgado pelo Ministério da Educação venezuelano, em 2015.

"Podemos afirmar que hoje temos menos estudantes nas escolas do que há dez anos. E não se trata de um problema de estagnação populacional", explica Maragall. Só entre 2005 e 2015, a quantidade de alunos retrocedeu em 144 mil estudantes", de acordo com cifras oficiais.

Mirelis D., professora da escola pública de ensino médio Antonio Muñoz Tebar, do bairro Artigas, acredita que a ausência por falta de comida é apenas uma aresta do conflito. Para a docente, a principal agressão à educação pública nesse momento vem de outra frente: a política.

"Desde 2000 os esquemas de promoção profissional começaram a ser modificados. Já não importavam as capacidades nem o currículo, sempre que se demonstrasse lealdade política ao PSUV [Partido Socialista Unido da Venezuela]. Obrigam o professor a ser chavista."

Nixon D., estudante do quarto ano, criou um grupo de WhatsApp com seus colegas só para saber se teriam aula. Em seu colégio de Maracay, a 120 km de Caracas, tornou-se comum que os professores faltem porque têm que fazer filas para comprar comida ou porque são solicitados a participar das manifestações do governo.

"Tive dois professores diferentes de matemática entre o primeiro e o segundo trimestre. No terceiro, não encontraram ninguém, e não tivemos aula", conta.

SEM REPROVAÇÕES

No ensino médio, o deficit de docentes especializados ronda os 50%. Os jovens terminam se formando sem ter cumprido o programa completo de disciplinas como matemática, física e química. "Já faz dez anos que não se permite reprovar os alunos, você têm que fazer com que passem de ano, seja como for", afirma Mirelis.

Parte do sucesso político de Hugo Chávez deveu-se às missões sociais que realizou como sistema paralelo desde o início de 2000.

Na educação, criou os programas Missão Robinson, Ribas e Sucre. Tudo sob o guarda-chuva de um barril de petróleo que alcançou cifras recordes entre 2005 e 2008. Na educação, no entanto, foi investida a maior parte de energia e dinheiro em programas dirigidos aos adultos, a população que vota nas eleições.

A realidade do regime de Nicolás Maduro é outra. A questão educativa se tornou secundária. Um exemplo recente foi a modificação do calendário escolar realizada pelo Executivo, para que se fizessem as eleições da Assembleia Nacional Constituinte.

Oscar Gonzalez Grande/Folhapress
Pilhas de livros e cadeiras abandonadas em escola de Petare, na periferia de Caracas
Pilhas de livros e cadeiras abandonadas em escola de Petare, na periferia de Caracas

As crianças ganharam férias adiantadas em duas semanas, porque as escolas serviriam como centros de votação. A medida foi defendida por Elías Jaua, atual ministro da Educação, que, em paralelo, trabalha como chefe da comissão presidencial para a Constituinte.

A esse panorama se soma a dívida em infraestrutura. Em 2012, calculava-se que a Venezuela necessitava de 3.250 escolas novas. Os balanços entregues desde 1998 revelam que não foram construídas nem sequer 50 escolas por ano, nem mesmo durante o boom dos preços do petróleo.

"Quais são as escolas novas deste ano?", pergunta-se Luisa Pernalete, coordenadora da rede de escolas públicas Fé e Alegria.

"Não importa às autoridades cumprir um plano de infraestrutura. Se realmente os direitos das crianças são prioridade, os recursos utilizados para comprar bombas de gás lacrimogêneo deveriam ser destinados à educação. A questão é que ir à escola na Venezuela foi convertido em um ato de fé", afirma.

A Folha procurou o Ministério da Educação e enviou perguntas sobre os problemas encontrados nas escolas. Até a publicação desta reportagem, a assessoria da pasta não havia dado resposta.


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