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Londres vai esperar UE para acordo com Mercosul, diz ministro britânico

Zanone Fraissat/Folhapress
O ministro britânico das Finanças, Philip Hammond, dá entrevista à Folha em São Paulo na terça (1º)
O ministro britânico das Finanças, Philip Hammond, dá entrevista à Folha, em São Paulo, na terça (1º)

Empenhado em firmar novos acordos de livre comércio na esteira do "brexit", a saída britânica da União Europeia, o Reino Unido vai esperar o fim da negociação entre a UE e o Mercosul para buscar o seu próprio acordo.

Segundo o ministro britânico das Finanças, Philip Hammond, 61, o pacto entre Reino Unido e Mercosul pode ser "mais ambicioso".

"O Reino Unido está mais aberto ao livre comércio do que alguns de nossos parceiros na UE", disse ele à Folha nesta terça-feira (1º), em São Paulo, onde participou de encontros com investidores brasileiros um dia após se reunir com o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles.

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Folha - De que forma Reino Unido e Brasil podem fortalecer os laços econômicos no contexto do "brexit"?

Philip Hammond - Eu acho que este é um momento fundamental para ambos, Brasil e Reino Unido. O Reino Unido está deixando a União Europeia e procura forjar novas relações com parceiros ao redor do mundo. E o Brasil iniciou reformas liberais da sua economia, se engajando com os sistemas internacionais, como a OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico], de uma forma que o tornará mais atrativo para investidores internacionais e para parceiros desejando comércio.

No encontro com o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, foi mencionado que o Reino Unido vai dobrar o valor do incentivo às empresas britânicas para exportar para o Brasil. Como funcionará isso?

É um aumento de 1,5 bilhão de libras para 3 bilhões de libras no crédito disponível para financiar exportações britânicas para o Brasil ou importações brasileiras de produtos britânicos, e essa linha de crédito está disponível para transações tanto em libras quanto em reais.

Que tipo de acordo comercial poderia ser trabalhado entre Brasil e Reino Unido? Londres está mais interessada em um acordo bilateral com o Brasil ou um com o Mercosul?

Poderia ser ambos. Como você sabe, a UE está negociando um acordo com o Mercosul. E enquanto o Reino Unido for parte da UE, nós incentivamos fortemente que esse acordo avance. Se tivermos um acordo entre UE e Mercosul antes de o Reino Unido deixar a UE, então buscaremos replicar o acordo UE-Mercosul em um acordo Reino Unido-Mercosul. Exatamente os mesmos pontos, para termos uma transação similar. E no futuro, poderemos olhar e tentar um acordo mais ambicioso. Porque o Reino Unido está mais aberto ao livre comércio do que alguns de nossos parceiros na UE, então nós esperamos fechar um acordo mais ambicioso.

Se a UE e o Mercosul não tiverem um acordo quando sairmos da UE, em março de 2019, tentaremos um acordo direto, tanto com o Brasil quanto com o Mercosul. Nós podemos discutir com nossos parceiros no Brasil e nos países vizinhos se esse é o melhor caminho para fazer um acordo com o Mercosul ou fazer acordos bilaterais com Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. Obviamente o Brasil é o mercado mais importante do ponto de vista britânico, então seria o mercado em que focaríamos primeiro. Mas a chave é: esperamos que nossos acordos de comércio com esses países cresçam no futuro.

O Brasil atravessa um momento de crescimento anêmico e instabilidade política. Como o sr. explica a situação brasileira para investidores britânicos?

Investidores britânicos têm investido internacionalmente por cerca de dois séculos. Eles estão bem acostumados a entender instabilidade política e desafios em economias ao redor do mundo. Há um núcleo de empresas britânicas que investem no Brasil por muitos e muitos anos. A Câmara de Comércio Britânica no Brasil completou cem anos em 2016. Há grandes empresas britânicas com um longo histórico de investimentos aqui, elas investem a longo prazo. Então elas não se preocupam com instabilidade de curto prazo, elas olham para o potencial do mercado a longo prazo.

Que tipo de reformas econômicas no Brasil poderia encorajar o investimento britânico?

Qualquer reforma que abra o mercado e que forneça maior estabilidade sobre o futuro vai encorajar investimentos. E as reformas que o atual governo está tomando são muito bem-vindas e irão certamente atrair mais investimentos ao Brasil, criando empregos e crescimento econômico para o Brasil. Pensamos que, particularmente, as reformas trabalhista e tributária são um passo importante adiante, a reforma da Previdência também será um benefício a longo prazo no Brasil.

E apoiamos muito a candidatura brasileira à OCDE e o sinal que ele envia de que o Brasil vai se engajar na arquitetura internacional da economia global. A OCDE é uma garantia para investidores internacionais de que eles podem investir com segurança em um país.

Na semana passada, o sr. disse que a relação do Reino Unido com a UE poderia parecer "similar de muitas formas" até 2022, mas na segunda (31) um porta-voz do governo contradisse essa proposta, afirmando que a livre circulação entre UE e Reino Unido acaba em março de 2019. O governo May não chegou a um consenso sobre essa questão?

Estamos em negociação com a UE, então estamos explorando as opções que podem estar disponíveis para nós para o período de transição. Nós deixaremos a União Europeia em março de 2019 e então haverá um período, eu espero, quando iremos ajustar gradualmente para uma nova relação futura com a UE como um terceiro país, com um acordo de livre comércio entre União Europeia e Reino Unido.

Nossa ministra do Interior [Amber Rudd] deu uma declaração na semana passada dizendo que nós iremos introduzir a partir de abril de 2019 para cidadãos da UE um sistema de registro, quando eles chegarem ao Reino Unido para trabalhar. Eles ainda poderão vir durante esse período, mas terão que se registrar. Isso foi o que ela disse. É correto que a livre circulação vai acabar, porque a livre circulação é um direito segundo o tratado da UE, e o Reino Unido não será mais parte desse tratado.

No plebiscito do ano passado, o sr. defendeu a permanência na União Europeia. Por quê?

Sempre fui bastante cético sobre o projeto político da União Europeia. Acredito fortemente no valor do mercado comum europeu e na vantagem que o Reino Unido teve em poder acessar um mercado de 500 milhões de consumidores. Mas a UE sempre teve um projeto de unificação política. Isso é muito mais difícil para o povo britânico entender ou aceitar.

Acreditei no ano passado que seria possível para o Reino Unido permanecer na UE, mas ficar de fora do projeto de unificação política. Mais ou menos uma "Europa em duas velocidades", onde os países da zona do euro seriam mais integrados, liderados por Alemanha e França, e os países de fora da zona do euro permaneceriam menos unificados politicamente, mas ainda parte do mercado comum, e esse grupo de países seria liderado pelo Reino Unido.

Julguei que essa poderia ser uma opção atrativa para o Reino Unido. Mas o povo britânico decidiu que deveríamos deixar a União Europeia. Somos uma democracia, cumpriremos a decisão do povo britânico, mas quero garantir que façamos isso de forma a proteger nossa economia, empregos e crescimento econômico.


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