Folha de S. Paulo


Opinião

Demissão de Scaramucci indica que John Kelly começou bem

Dois assessores da Casa Branca recém-demitidos, Sean Spicer (porta-voz) e Reince Priebus (chefe de gabinete), talvez fossem incompetentes em seus postos, mas sabiam o bastante para perceber que Anthony Scaramucci como diretor de comunicação seria um desastre.

Roubar os holofotes de um presidente jamais é boa ideia, mas uma entrevista repleta de palavrões à revista "New Yorker" mostra até que ponto o diretor era desprovido de juízo, classe e profissionalismo —mesmo pelos padrões atuais da Casa Branca.

Jonathan Ernst - 21.mai.2017/Reuters
O ex-diretor de comunicações da Casa Branca Anthony Scaramucci ao assumir o cargo, em 21 de julho
O ex-diretor de comunicações da Casa Branca Anthony Scaramucci ao assumir o cargo, em 21 de julho

Sua demissão foi imediatamente tomada como sinal de que John Kelly, o novo chefe de gabinete, está no controle da situação.

O "Washington Post" afirmou que "o general reformado foi levado à Casa Branca na esperança de que instaure disciplina militar no governo Trump", com plenos poderes para fazer mudanças.

Recuemos um momento, pois. Lembram-se de quem pressionou a favor de Scaramucci? Jared Kushner e Kellyanne Conway. É de imaginar quantas ideias idiotas (demitir o ex-chefe do FBI James Comey, reunir-se com um banqueiro russo, ocultar essas reuniões, interferir na política do Qatar ) terão de ser ligadas a Kushner até que a claque deixe de bajular o primeiro genro e Kelly sugira a ele voltar ao comando de seus negócios em Nova York.

A dependência de Trump de generais e de bilionários, seu instinto vingativo, sua recusa em compreender as competências necessárias ao serviço público, suas explosões e sua ignorância resultam em desastre após desastre. Talvez esses desastres ampliem o poder de Kelly e reduzam a influência de gente como Kushner, que incentiva decisões podres.

Se Kelly quiser profissionalizar a Casa Branca, porém, ele terá de fazer mais do que ejetar Scaramucci.

Terá de remover da TV e dos corredores mentirosos instintivos como Kellyanne Conway, a mulher dos "fatos alternativos", e personagens como Sebastian Gorka, que nem ao menos conseguiu licença de segurança para lidar com material sigiloso.

Terá de aplacar os ataques presidenciais ao secretário da Justiça que o próprio Trump escolheu e pôr fim ao rumor de que o procurador especial Robert Mueller será demitido. E terá de fazer um ultimato ao presidente: nada de tuitar sem aval prévio nem de improvisar em discursos —caso contrário, Kelly deveria se demitir.

Neste momento, Trump precisa de Kelly mais do que Kelly precisa do cargo. Isso dá ao assessor influência incomum sobre o presidente. Essa influência pode não durar, mas com Trump à beira de se imolar politicamente, Kelly terá de convencê-lo de que esta é a última chance de virar o jogo.

Demitir Scaramucci é um bom começo. Mas a história de como Scaramucci chegou ao posto deve servir de incentivo para o fim dos assessores burros, das decisões incorretas e do desprezo da Casa Branca por especialistas.


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