Folha de S. Paulo


Em eleição sob repressão, mortos na Venezuela podem ter chegado a 14

A Venezuela realizou neste domingo (30) a eleição de sua nova Assembleia Constituinte, em uma jornada de repressão violenta e com baixa adesão da população, majoritariamente contra a convocação feita pelo presidente Nicolás Maduro.

O Ministério Público confirmou que ao menos dez pessoas morreram durante o fim de semana, a maioria em protestos contra a eleição. Entretanto, relatos da mídia independente e de opositores contabilizavam até 14 vítimas.

A oposição também apontou para o baixo comparecimento dos venezuelanos às urnas. "Trata-se de uma fraude, e Maduro está cavando a própria tumba", disse o presidente da Assembleia Nacional, Julio Borges.
Segundo estimativas da coalizão opositora MUD (Mesa da Unidade Democrática), apenas 2,48 milhões teriam ido votar –o que representaria pouco mais de 12% dos 19,8 milhões de eleitores do país.

O ex-chefe da Assembleia, considerado o número 2 do chavismo, Diosdado Cabelllo, disse que "a votação foi recorde". Até a conclusão desta edição, porém, o CNE (Conselho Nacional Eleitoral) não havia divulgado nenhum número oficial.

Às 18h (19h em Brasília), o órgão eleitoral venezuelano anunciou que haveria uma hora extra para o fechamento das urnas, que estava marcado inicialmente para 20h (21h de Brasília); o anúncio foi acompanhado de uma mensagem do presidente Nicolás Maduro pedindo que as pessoas fossem aos centros de votação "porque ainda havia tempo". A votação terminou por volta das 21h15 locais (22h15 de Brasília), ou seja, além do prazo estendido.

O presidente, que foi um dos primeiros a votar, às 6h (7h de Brasília), afirmou que a nova Constituição trará "tranquilidade e paz" para o país e criticou o presidente americano Donald Trump: "Quis o imperador Trump proibir o povo de exercer o direito ao voto, e eu disse: 'Chova ou faça sol, haverá eleições e Assembleia Constituinte".

A primeira reunião dos novos legisladores deve ocorrer em 72 horas. O governo não explicou como será a convivência dos constituintes com o atual Parlamento –de maioria oposicionista e que não reconhece a legitimidade da eleição deste domingo (30).

VIOLÊNCIA

Entre as mortes confirmadas pelo Ministério Público neste domingo estão a de agentes da GNB (Guarda Nacional Bolivariana), manifestantes e membros de siglas oposicionistas. No sábado, José Félix Piñeda, candidato à Constituinte, foi assassinado no Estado de Bolívar.

Segundo o jornal "El Nacional", houve ainda manifestantes mortos nos Estados de Mérida e Táchira, onde vêm ocorrendo os enfrentamentos mais graves do país. Teriam sido assassinados pelos "coletivos", força paramilitar apoiada pelo Estado.

Em Caracas, a GNB reprimiu duramente uma marcha que sairia a partir das 10h (11h de Brasília) de quatro pontos da capital. Uma bomba que explodiu na praça Altamira deixou feridos e várias motos destruídas. Os organizadores decidiram suspender o ato devido à repressão.

Os organizadores do protesto decidiram suspendê-lo por causa da repressão. "Foi brutal em todos os pontos de Caracas e, por isso, decidimos suspender a mobilização, mas se as forças de segurança continuarem impedindo as manifestações através do uso da força, serão então mantidas as barricadas. Nós acompanharemos os manifestantes, porque a repressão não nos fará retroceder nem um milímetro", disse o deputado opositor Freddy Guevara.

Mais tarde, o líder opositor Henrique Capriles anunciou que a MUD vai convocar protestos nesta segunda (31) e também na quarta (2), para coincidir com a data em que a Constituinte deve iniciar seus trabalhos.

Pelas redes sociais, o também líder opositor e recém-libertado Leopoldo López disse: "Alertamos a comunidade internacional sobre a repressão brutal e o assassinato de venezuelanos que protestam de forma pacífica".

DUAS CIDADES

Durante uma visita pela manhã deste domingo (30) aos dois lados da cidade –os bairros de classe média e alta, antichavistas, e o centro, pró-governo– a Folha constatou a diferença do nível de tensão entre os dois polos.

Do alto dos viadutos e pelas avenidas que levam à região central, o que mais se via eram motos. Pouca gente tirou o carro da garagem, para não correr o risco de ficar preso entre as barricadas levantadas pelos opositores.

No meio de um dos viadutos, a reportagem conversou com um manifestante, que ali havia estacionado sua moto e orientava grupos com informações transmitidas por meio de um microfone instalado em seu capacete. "Estão reprimindo em Las Mercedes, agora a concentração está indo na direção de Bello Monte".

Já no centro da cidade, governada pelo chavismo, havia mais gente caminhando pelas ruas. Os postos de votação estavam mais cheios nessa região. Em nenhum, porém, a reportagem observou filas muito numerosas.

O que, sim, havia em todos eram carros e oficiais da GNB, que impediam a aproximação da imprensa.

Na região central, via-se mais propaganda da Constituinte, cartazes dizendo: "a Constituição vai, sim, vai ocorrer", e muitas pessoas com a camiseta com os mesmos dizeres ou com imagens e broches de Hugo Chávez (1954-2013).

Ao redor do palácio de Miraflores, as pessoas transitavam normalmente á pé, em moto ou em carro, mas tinham de desviar das trincheiras e cercas improvisadas de arame farpado que vigiam as vias de entrada da sede de governo.


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