Folha de S. Paulo


Fotos e caminhada são armas de frade filipino contra Duterte

Sob um céu sem nuvens no norte da Espanha, o frade de 46 anos afixa uma foto a um dos marcos do caminho de Santiago, rota de peregrinação que leva à cidade de mesmo nome na Galícia, a quase 800 km dali.

A imagem mostra uma mulher sustentando o corpo do marido, assassinado à queima-roupa nas Filipinas em julho do ano passado.

Frei Jun (nome de batismo Ciriaco Santiago 3º) partiu na última segunda (24) de Saint Jean Pied-de-Port, na França, com o objetivo de atrair a atenção internacional para sua campanha contra a guerra às drogas do presidente Rodrigo Duterte, da qual a foto é um testemunho.

Czar Dancel - 23.jul.2016/Reuters
ATTENTION EDITORS - VISUAL COVERAGE OF SCENES OF INJURY OR DEATH Jennilyn Olayres, 26, weeps over the body of her partner, who was killed on a street in Pasay city, Metro Manila, Philippines July 23, 2016. Czar Dancel: 'When the image of Olayres weeping as she cradled the body of her slain partner went viral in the Philippines, President Rodrigo Duterte called it melodramatic. He mentioned the image of Olayres in his state of the union address and said media had tried to portray it as being like the Michelangelo's Pieta, the sculpture of Mary holding the body of Jesus. Six were assassinated on that night in Manila, among them Michael Siaron, Olayres's 29-year-old partner, who was shot dead by unknown assailants on motorcycles. Over recent months I have been regularly covering the killings of suspected drug dealers. During the night journalists and photographers from different media organisations work as a team. Siaron's was the last of several deaths we covered that night. It is always shocking to arrive at the scene of a death. I took a couple of images before I noticed Olayres cradling Siaron's body. A piece of cardboard was left next to his corpse with the word
Jennilyn Olayres, 26, segura o corpo de seu marido, Michael Siaron, morto por um esquadrão da morte em Manila

Michael Siaron, o morto, era acusado pela polícia de traficar metanfetamina e foi alvejado por um dos esquadrões da morte que já deixaram mais de 5.000 vítimas desde a posse de Duterte, há um ano.

Outros 3.000 morreram em operações oficiais, supostamente ao reagir à polícia -familiares, testemunhas e entidades de direitos humanos negam e acusam o presidente de promover execuções extrajudiciais em massa.

Frei Jun faz parte da ordem católica dos redentoristas, uma das mais ativas no país asiático contra a política antidrogas do presidente.

Em dezembro do ano passado, o frade passou a fazer hora-extra no Departamento de Polícia de Manila. Das 21h às 3h30, acompanhava os jornalistas que documentam os assassinatos em bairros pobres da cidade.

No Natal, organizou a exposição "Sob a Sombra da Morte, com fotos gigantes de vítimas da guerra à drogas na igreja Nossa Senhora do Perpétuo Socorro.

Isto é Duterte
Um presidente controverso
O presidente Rodrigo Duterte faz seu gesto característico, o punho cerrado

O templo é o mais famoso do país, no qual mais de 80% da população é católica. Funciona 24 horas por dia durante o ano todo e chega a atrair 50 mil fieis por dia no final do ano.

Depois das Filipinas, as fotografias dos jornalistas e do próprio frade foram expostas na Bósnia e, agora, seguem para a França.

A peregrinação até Santiago faz parte desse esforço. Ao longo do caminho, que deve durar mais de um mês, ele pretende deixar imagens das vítimas e textos de repúdio à guerra às drogas e documentar seu cotidiano nas redes sociais.

Em um dos posts da sua primeira semana, frei Jun relata como uma nota contra as execuções extrajudiciais deixada por ele no trecho de Roncesvalles foi encontrada por um casal de americanos, que se comprometeu a ajudar a divulgar a campanha.

"Meu objetivo é encontrar meios de tornar o mundo todo consciente do que está acontecendo nas Filipinas", disse o frade à Folha quando organizou a exposição de fotos.

O religioso diz que sentiu que era sua missão combater a política de Duterte desde julho do ano passado, quando as famílias das vítimas começaram a procurar a ordem redentorista para pedir socorro e apoio.

A igreja organizou grupos de apoio e de reabilitação para viciados.

"Com a divulgação das imagens de crueldade, não queremos ferir as pessoas. Mas todos precisam entender que a saúde espiritual inclui enfrentar os problemas do mundo. As Filipinas estão sofrendo uma intensa e flagrante violação dos direitos humanos."

Em maio, em reunião da ONU sobre direitos humanos, o país foi criticado por 45 membros pela violência pessoal e pela decisão de retomar a pena de morte no país (a lei foi aprovada na Câmara e tramita no Senado).

Um mês antes, comissão de direitos humanos descobrira um cárcere secreto com 13 homens e mulheres presos em um distrito na capital filipina.

Duterte, que se elegeu prometendo matar mais de 100 mil traficantes e viciados, tem atacado publicamente os críticos da guerra às drogas.

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