Folha de S. Paulo


Venezuela tem que ter negociação antes de banho de sangue, diz Aloysio

Pedro Ladeira/Folhapress
O ministro Aloysio Nunes dá entrevista à Folha em seu gabinete, no Palácio do Itamaraty
O ministro Aloysio Nunes dá entrevista à Folha em seu gabinete, no Palácio do Itamaraty

Diante do impasse nas tratativas do Mercosul para encerrar a crise na Venezuela, o ministro de Relações Exteriores, Aloysio Nunes, disse concordar com a participação de outros países, como Cuba e Colômbia, nas articulações.

Em entrevista à Folha, o chanceler brasileiro afirmou ainda achar difícil que o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, aceite discutir com seriedade a retomada de condições democráticas no país.

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Folha - O Brasil trabalha por uma saída para a crise na Venezuela, mas o desfecho parece distante. Haverá solução?

Aloysio Nunes - A solução é a negociação. Há um equilíbrio extremamente instável. Há uma oposição com grande apoio popular e existe o chavismo, que tem como protagonista um homem que perdeu o limite, que é o [Nicolás] Maduro. Debaixo disso, há uma economia desorganizada, desabastecimento, insegurança. Uma situação que não pode perdurar.

Quando essa negociação deve ser concluída?

Antes do banho de sangue. Maduro aponta para uma saída revolucionária, de ruptura da ordem democrática, inviável. A tendência é que a democracia prevaleça. Fora isso, há o quê? Guerra civil, a vitória de um e a derrota de outro.

Como o Mercosul vai reagir à eleição da Assembleia Constituinte convocada por Maduro?

A Venezuela já está suspensa dos órgãos diretivos do Mercosul pelo não cumprimento de compromissos, de ordem econômica, comercial, legal. O que fizemos agora foi um segundo passo previsto no protocolo de Ushuaia para, se não for restabelecida a democracia, cuja ruptura foi reconhecida em 1º de abril, [haver] nova suspensão com base no descumprimento da cláusula democrática.

Havia uma expectativa de uma medida mais dura.

A Venezuela foi convidada para mandar um representante a Brasília para explicar como justificam seu regime. Se dessa iniciativa não resultar nenhum progresso em relação à questão democrática, então dá-se um passo que é a nova suspensão.

O que o Mercosul espera desse processo de consultas?

Disposição de dialogar seriamente.

Acredita nessa possibilidade?

Acho difícil. Nenhum governo autoritário se despe das suas prerrogativas voluntariamente, a não ser quando vê que não pode perdurar. Transições sempre ocorrem assim, de ditadura para democracia. Espero que ele tenha lucidez de fazer isso. Mas dizem os antigos que os deuses fazem primeiro perder a razão aqueles a quem querem destruir.

Qual a avaliação sobre a mediação cubana, costurada com a Colômbia? O Brasil abriu mão de tentar ser mediador?

O Brasil não abre mão de nada nem faz questão de nada. Queremos restabelecer a normalidade democrática. Quem puder intervir e conseguir boa vontade e a seriedade do governo para negociar, eu acho bom. Tem meu aplauso.

A crise doméstica do Brasil afeta a meta do país de destravar acordos comerciais? O da União Europeia se arrasta.

Temos hoje um texto comum, já negociamos alguns capítulos e agora começa a fase mais delicada, de oferta de acesso a mercados. Há disposição da UE para um entendimento até o fim do ano.

O Brasil confirmou, cancelou e reconfirmou a participação do presidente Temer na cúpula do G20. Isso prejudicou a agenda de reuniões bilaterais?

É, prejudicou. Realmente houve incerteza quanto à participação do presidente e visivelmente criou um problema operacional, até de reserva de hotéis, mas não creio que tenha maior impacto.

Em março, ao comentar as posições de Donald Trump, o sr. disse esperar que "a bola baixasse". Qual a avaliação?

Em relação ao Brasil, não há problema. Está baixando em relação ao México, por exemplo, a ideia de que poderão chegar a uma reformulação do Nafta [acordo de livre comércio entre os dois países e o Canadá] em termos mais positivos do que se imaginava.

Trump é fiel ao personagem?

Fiel à campanha. No G20, sua declaração sobre o clima foi nuançada, não a defesa pura de combustíveis fósseis. E, no tema de comércio, ele mostra alguma flexibilização.


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