Folha de S. Paulo


Como manifestantes conquistaram uma vitória sobre o governo da Polônia

Se um governo antiliberal —eleito democraticamente, mas determinado a mudar as regras— tenta fazer alguma coisa inconstitucional, o que o público pode fazer? O que a oposição política pode fazer?

Esse é um dilema que vemos agora em diversos países —Rússia, Venezuela, Turquia, Hungria, Polônia e, em breve, possivelmente na Grécia. Para aqueles que desejam se manter nos limites da lei, as perspectivas são bastante sombrias, como já argumentei.

Kacper Pempel/Reuters
Manifestantes protestam contra reforma do Judiciário em Varsóvia, na Polônia, nesta segunda-feira (24)
Manifestantes protestam contra reforma do Judiciário em Varsóvia, na Polônia, nesta segunda-feira (24)

Uma resposta parcial está em manifestações de rua pacíficas, ainda que elas representem um caminho frustrante. A maioria das pessoas não tem tempo para participar de protestos todos os dias ou todas as noites; os lemas e discursos podem ser repetitivos; e, acima de tudo, o governo não tem obrigação de escutar.

O esforço pode parecer fútil, e muitas vezes de fato o é —a não ser que se prove capaz de comover e convencer os líderes do partido governante. Na Polônia, foi exatamente isso que aconteceu na semana passada.

Para recapitular brevemente uma história complicada: o governo nacionalista da Polônia violou a Constituição repetidamente, e tomou decisões antidemocráticas como a de politizar a mídia pública, o Exército, a Procuradoria do Estado, o funcionalismo e o Tribunal Constitucional.

Alguns dias atrás, aprovou três leis que teriam permitido ao atual governo dissolver o Supremo Tribunal, demitir dezenas de juízes e substitui-los por quem os governantes bem quisessem.

Seguiram-se manifestações em massa que tomaram todo o país, a cada noite da semana passada, em todas as grandes cidades e muitas das cidades menores. Dezenas de milhares —talvez centenas de milhares— de pessoas saíram às ruas cantando Pink Floyd, o hino nacional, canções de protesto anticomunistas dos anos 80.

Elas tomaram as ruas diante dos tribunais, carregando velas. Gritaram "aqui é a Polônia", em resposta à propaganda do governo que criticava os manifestantes como "estrangeiros", "traidores" ou "netos da polícia secreta", pagos por George Soros.

A maioria da comunidade jurídica polonesa —advogados, pesquisadores, juízes, muitos dos quais conservadores— se pronunciou em favor dos manifestantes.

Ver tanta gente nas ruas inspirou estrangeiros influentes —entre os quais os aliados da Polônia na União Europeia e até mesmo o Departamento de Estado norte-americano— a comentar sobre a questão, igualmente.

O governo e sua maioria no Legislativo não se deixaram impressionar, mas o presidente da Polônia, Andrzej Duda, ficou abalado. Ainda que, em contraste com seus colegas na França e Estados Unidos, o presidente da Polônia tenha poderes muito restritos, um deles é o de vetar leis.

Duda deve sua posição ao líder do partido governante, e sempre relutou em usar até mesmo esse poder limitado. Foi cúmplice direto no solapamento do Tribunal Constitucional, a decisão que precipitou essa cadeia de eventos.

Mas ver seus compatriotas tomando as ruas parece tê-lo enervado. Ele vetou duas das três controvertidas leis, até o momento. A dissolução instantânea do Supremo Tribunal polonês parece ter sido no mínimo adiada.

A história não acabou, é claro. As instâncias inferiores da Justiça polonesa —sujeitas à terceira lei, que o presidente não vetou— continuam em perigo. As leis agora retornarão ao Legislativo, onde talvez passem por mudanças apenas superficiais antes de serem reapresentadas.

A mídia estatal, que em dado momento disse aos telespectadores que os manifestantes queriam islamizar a Polônia, vai continuar mentindo sobre o que acaba de acontecer.

Mas ao menos por alguns dias, as pessoas que dedicaram suas noites a essa causa, na semana passada, poderão se congratular pelo que realizaram.

Afinal, o objetivo de uma manifestação não é reforçar as opiniões de pessoas que já compartilham delas, mas atingir o lado oposto, e convencer as pessoas que defendem a opinião oposta. E, pelo menos desta vez, foi o que os manifestantes conseguiram.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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