Folha de S. Paulo


Redução das reservas internacionais alimenta medo de calote da Venezuela

As reservas internacionais da Venezuela caíram para menos de US$ 10 bilhões (R$ 31,8 bilhões) pela primeira vez em 15 anos, enquanto a má gestão crônica, a corrupção e os baixos preços do petróleo continuam a golpear aquele que costumava ser o país mais abastado da América do Sul.

Segundo o Banco Central do país, as reservas estão em US$ 9,98 bilhões, o que representa uma redução de 77% desde janeiro de 2009, quando elas atingiram o pico de US$ 43 bilhões.

Juan Barreto - 24.jun.2017/AFP
Ativista da oposição enrolado em bandeira da Venezuela protesta contra Nicolás Maduro em Caracas
Ativista da oposição enrolado em bandeira da Venezuela protesta contra Nicolás Maduro em Caracas

A queda chega em um momento de tensão política elevada. Neste domingo, os venezuelanos votaram em um plebiscito no plano amplamente rejeitado de Maduro de criar uma Assembleia Constituinte.

Enquanto isso, a queda no nível das reservas deverá reativar o temor de que a Venezuela entre em moratória em relação a sua dívida pública ainda este ano. A expectativa é a de que a petroleira estatal PDVSA reembolse, em capital e juros, US$ 3,7 bilhões no quarto trimestre de 2017.

"O estado das reservas internacionais e do desperdício das reservas em moeda estrangeiras na Venezuela é uma das histórias mais tristes da história econômica", disse o economista Javier Hernández, da Universidade Central da Venezuela.

A Venezuela ainda tem dívidas de longo prazo com a Rússia, a China e o Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF), além de empresas que processaram o país caribenho por descumprir suas promessas ou expropriar seus recursos.

A diretora para a América Latina do Eurasia Group, Risa Grais-Targow, disse que o país deve US$ 3,7 bilhões a empresas que venceram processos contra Caracas no tribunal para disputas de investimentos do Banco Mundial. Ela afirma que outros casos deverão ser decididos nos próximos meses.

O Banco Central venezuelano recentemente vendeu US$ 1 bilhão em títulos da dívida pública aos fundos de investimento Goldman Sachs e Nomura, mas a reação internacional em relação às aquisições dificultarão que isso ocorra outra vez.

O economista-chefe da corretora nova-iorquina Torino Capital, Francisco Rodríguez, disse, porém, que o governo de Maduro pode levantar cerca de US$ 14,5 bilhões com uma série de outras medidas.

Dentre elas, os empréstimos feitos a países pequenos do Caribe e da América Central no governo de Hugo Chávez (1999-2013). O maior devedor é a Nicarágua, com um montante de US$ 2,9 bilhões.

O governo ainda poderia tomar os ativos de empresas privadas que controlam bancos e companhias de seguros, que estão sob controle estatal. Pode ainda tirar dinheiro da PDVSA e de outras estatais, e pode ter sobrado algum recurso dos empréstimos chineses feitos anos atrás.

"O dinheiro dos empréstimos chineses não pode ser usado para pagar a dívida, mas pode ser usado para pagar importações", afirma Rodríguez.

Hernández diz que a Venezuela pode conseguir cerca de US$ 1,2 bilhões vendendo suas participações em empresas petroleiras, mas, assim que o dinheiro acabar, "vejo a China como a única fonte de recursos, devido aos interesses geoestratégicos e seu desejo de controlar o acesso a recursos naturais".

No passado, os altos preços do petróleo socorreram o país, mas isso parece improvável agora. A commodity perdeu dois terços de seu valor desde o pico, em 2008, e o barril de petróleo Brent, cotado em Londres, teve uma queda de 15,5% nos seis primeiros meses deste ano —a maior redução em um semestre desde 1998.

O governo de Maduro culpa a queda no preço do petróleo, e uma sabotagem liderada pelos EUA, por sua angústia econômica, embora os valores do óleo estejam duas vezes maiores que em 2002, a última vez em que as reservas internacionais estiveram em nível tão baixo.

Estatísticas da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) divulgadas nesta semana mostram que os dividendos provenientes do petróleo venezuelano caíram 13,6% entre maio e junho, enquanto os outros grandes produtores registraram alta na arrecadação.

"Esta queda nos dividendos não é só por causa dos preços baixos", disse Hernández. "É também pela forte redução da produção."

E, apesar do caos crescente, a maioria dos analistas estimam que a Venezuela faça uma confusão financeira e consiga evitar o colapso completo de sua economia, pelo menos neste ano.

O governo "provavelmente será capaz de arrumar os recursos para evitar a moratória no quarto trimestre, considerando que Maduro continue no poder", disse Grais-Targow. Porém, ela adverte que "vai ser por pouco".

Tradução de DIEGO ZERBATO


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