Folha de S. Paulo


Em São Paulo, 99,6% dos venezuelanos votam contra governo em plebiscito

Já imaginou viver num Brasil onde, para comer pão de queijo, só pagando uns R$ 50 a unidade num mercado negro que se organiza mais ou menos como os centros comerciais com estandes que vendem produtos piratas em São Paulo? É assim que a educadora venezuelana Carmen Navarro, 43, diz se sentir com o sumiço da arepa (popular massa à base de milho) na dieta de seu país.

A falta de produtos básicos, segurança e liberdade em geral foram motivos listados por conterrâneos de Carmen que moram no Brasil e votaram, à distância, no plebiscito simbólico que mediu a popularidade da reforma constitucional proposta por Nicolás Maduro.

A urna —uma caixa de papelão onde se lê "el pueblo decide!"— computou 1.005 cédulas de papel na capital paulista, 1.000 deles contra o governo, segundo a coordenadora do pleito local, Yasmin Molsalvo, 52. A Matilha Cultural, casa na região central da cidade, cedeu o espaço para a votação no dia em que abrigou uma feira de doação de animais.

Carmen reage a latidos do piso inferior dizendo que animal de estimação virou luxo na Venezuela, onde "não dá para manter nem as pessoas".

Dá um exemplo: em dezembro, um remédio com vitamina D lhe custaria 600 bolívares. Hoje, sai por 8.000 bolívares —aumento de 1.200%.

"Tenho sobrinhos adolescentes que acham que a vida é só assim, esta ditadura horrorosa. Veem como normal fazer fila por horas só para comprar desodorante", afirma ela, que mora há cinco anos no Brasil.

Funcionário de uma empresa de tecnologia, Yonathan Rivas, 33, saiu da Venezuela no fim de 2016. Num passado não tão remoto, pagava pela "pasta de dente que mais gostava", de sabor x ou y. "Depois ficou impossível" levar para casa mesmo a marca mais básica.

Fora que o país natal está "superinseguro", afirma sua irmã Yorbelis Rivas, 30. "O que você está fazendo... Lá isso seria inimaginável", diz e aponta para a repórter usando o celular no meio da rua.

Os irmãos enviam todo mês R$ 500 para a família, dinheiro que só pode ser sacado na Colômbia -a mãe tem cidadania do país vizinho e, uma vez por mês, sai às 6h para sacar a quantia e obter por lá produtos em falta na Venezuela.

Para Carmen, se o plebiscito informal for contrário ao governo, "Maduro vai continuar reprimindo". Mas é uma questão de tempo até sua queda, diz. "Os bons somos mais, com certeza." Na saída, alguém graceja: "Como dizem aqui, esse aí vai cair de maduro!".


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