Folha de S. Paulo


ANÁLISE

'The Intercept' tenta se redimir após não ter protegido fonte

O "The Intercept", um site de notícias sobre segurança nacional, não existiria sem o mais famoso vazador de informações do século 21, Edward Snowden.

A organização foi criada em 2014 para publicar materiais vazados pelo ex-técnico da NSA (Agência Nacional de Segurança americana), divulgar outros segredos governamentais e promover os direitos da imprensa.

Deveria ter sido o último lugar onde uma fonte de notícias precisasse se preocupar com sua proteção e confidencialidade. De fato, a organização criada por Pierre Omidyar, fundador do eBay, possui alguns especialistas mundiais em segurança.

Mas no início do mês passado o site, fundado pelos jornalistas e ativistas Glenn Greenwald, Jeremy Scahill e Laura Poitras, atraiu críticas por ter inadvertidamente falhado em sua missão fundamental. Agora, depois de analisar a fundo o que aconteceu, o "Intercept" adotou algumas reformas, e sua empresa-mãe está ajudando uma jovem vazadora que foi acusada criminalmente pelos termos da Lei de Espionagem.

"Passamos por um período tremendamente angustiante aqui. Foi preciso tirar o tempo para fazer uma revisão completa do que aconteceu", disse a editora-chefe do "Intercept", Betsy Reed.

AFP
A ex-prestadora de serviços da NSA Reality Winner foi a informante do site americano The Intercept
A ex-prestadora de serviços da NSA Reality Winner foi a informante do site americano The Intercept

Recapitulando: a administração Trump acusou a ex-linguista da Força Aérea americana Reality Leigh Winner, 25, de vazar informações confidenciais —horas apenas depois de "The Intercept" ter publicado reportagem baseada em um documento da NSA que descreveu esforços da inteligência militar russa de invadir o sistema eleitoral dos Estados Unidos.

O respeitado jornalista especializado em segurança nacional e ex-redator do "Washington Post" Barton Gellman apontou para "erros flagrantes" cometidos pelos jornalistas do site quando tentaram verificar o documento do NSA antes de publicá-lo. Ele descreveu o que aconteceu como "uma falha catastrófica de proteção de uma fonte", embora tenha admitido que Reality Winner teria sido a suspeita principal sob quaisquer circunstâncias.

Um mês mais tarde, "The Intercept" e sua empresa-mãe, a First Look (ambas financiadas por Omidyar), estão tomando medidas para corrigir seus erros e ajudar a defender Winner.

"Como o veículo de notícias para o qual Winner é acusada de ter vazado o documento, o 'Intercept' tem uma visão singular do caso dela e deseja ardentemente que ela tenha um julgamento justo —embora não tivéssemos ideia de quem era nossa fonte e ainda não tenhamos conhecimento da identidade da fonte por meios independentes", disse Betsy Reed em comunicado na terça-feira (11). Ela disse que a ajuda a Winner vai assumir duas formas.

O Fundo de Defesa da Liberdade de Imprensa da First Look vai pagar uma firma de advocacia para prestar assessoria aos advogados de defesa atuais de Winner. E vai doar US$ 50 mil à campanha de financiamento coletivo "Stand With Reality", que quer conscientizar o público sobre a jovem vazadora de informações e apoiar a defesa legal dela.

Winner foi acusada pelos termos da Lei de Espionagem, promulgada há cem anos. É a mesma lei arcaica à qual a administração Obama recorreu para indiciar vazadores de informações, incluindo Edward Snowden.

"O ato de vazar informações confidenciais deveria ser analisado no contexto da Primeira Emenda, não da Lei de Espionagem", disse Reed.

A editora-chefe afirmou que o "Intercept" examinou suas práticas de proteção de fontes e concluiu que deixaram a desejar no caso de Reality Winner.

"Em vários pontos do processo editorial nossas práticas não estiveram à altura dos padrões que cobramos de nós mesmos" para minimizar o risco das fontes, disse Reed. "Deveríamos ter tomado precauções maiores para proteger a identidade de uma fonte que era anônima até mesmo para nós."

O Departamento de Justiça teria acusado Winner criminalmente mesmo que o "Intercept" não tivesse cometido os erros que cometeu. Mesmo assim, o aparente descuido foi no mínimo lamentável.

No mês passado o site de tecnologia "ArsTechnica" escreveu que a equipe do "Intercept" expôs sua fonte sem querer porque uma cópia física do documento, enviado à NSA para ser verificado por ela, "revelou marcas de dobradura que indicavam que tinha sido impressa e incluía uma marca-d'água que revelava exatamente quando tinha sido impressa e em que impressora."

Os jornalistas também teriam deixado sua fonte saber de onde o documento fora postado para eles. Foi mais uma informação que apontou para Reality Winner.

Betsy Reed, que por motivos legais se negou a entrar em detalhes sobre o que aconteceu, disse que toda a equipe do "Intercept" passará por novo treinamento de melhores práticas e que serão implementados novos níveis de verificação editorial. Nenhum profissional do site será demitido.

Os princípios fundadores do "Intercept" são a transparência e responsabilidade. Sua missão continua a ser importante.

É animador ver o site e sua empresa-mãe fazerem tudo que está a seu alcance para reconhecer e corrigir seus erros. E é importante que poderão ajudar Winner a receber tratamento justo de uma administração que não poderia ser mais avessa aos direitos da imprensa.

Tradução de CLARA ALLAIN


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