Folha de S. Paulo


ANÁLISE

Nova aposta de conservadores britânicos pode se revelar furada

Eddie Keogh/Reuters
Britain's Primer Minister Theresa May and her husband Philip leave a polling station in Sonning, Britain, June 8, 2017.
A primeira-ministra do Reino Unido, Theresa May, deixa centro de votação junto com o marido, Philip

Pobres conservadores. Em 2016, David Cameron convocou um referendo sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia. Na cabeça de Cameron, a aposta era segura: os ingleses votariam "remain", e o Partido Conservador poderia finalmente destruir a ameaça do Ukip (Partido da Independência do Reino Unido) e calar a ala eurocética dos "tories". Deu no que deu.

Em 2017, Theresa May também entrou no cassino político para jogar o seu destino e —o destino do país. Novas eleições seriam uma forma de reforçar a sua legitimidade, fortalecer a posição negocial de Londres no divórcio com Bruxelas e, claro, jogar o trabalhista Jeremy Corbyn na lixeira da história.

Oh, well: escrevo com os resultados da boca de urna. Se esses resultados estiverem corretos —um grande "se", depois do fracasso das pesquisas em 2015, que não anteciparam a maioria de David Cameron—, então o paradoxo é total: o derrotado da noite —Jeremy Corbyn— é o grande vencedor; e a vencedora da noite —Theresa May— pode virar cadáver político.

Começo com Corbyn: durante a campanha, o trabalhista foi tratado como um vira-lata. Fato: a admiração por Hugo Chávez ou Fidel Castro soava insana, mesmo entre trabalhistas; e o seu programa político —um regresso ao Labour estatista pré-"terceira via" de Tony Blair— parecia conversa de museu.

Fatalmente, os seus críticos esqueceram um pormenor: a realidade. Depois da crise financeira de 2008; depois das medidas de austeridade; depois da incerteza gerada pelo "Brexit", Corbyn representava uma ilusão de segurança e prosperidade que é típica do populismo político.

Como lembrava a revista "The Economist", as pesquisas confirmavam que os trabalhistas superavam os conservadores entre os mais pobres (em 8%); entre os desempregados (em 15%); entre os que votaram "brexit" (em 25%); e, sobretudo, entre os jovens (espantosos 44%).

E Theresa May? Se a vitória não chegar à maioria, isso será uma consequência da campanha desastrada que os conservadores fizeram: longe da sua base de apoio tradicional e com propostas de centro-esquerda (aumento do salário mínimo, maior investimento público em educação ou saúde etc) para conquistar os órfãos do Labour. Não admira que Charles Moore, o biógrafo autorizado de Margaret Thatcher, tenha perguntado na sua coluna do "Daily Telegraph": onde está a diferença entre May e Corbyn?

Se juntarmos ao pacote três atentados terroristas nos últimos três meses, sobretudo quando Theresa May teve nas suas mãos a responsabilidade da segurança interna do país entre 2010 e 2016, o destino ficou selado.

Repito: escrevo com cenários possíveis. Mas esses cenários apontam para incertezas profundas. Poderá Theresa May continuar na liderança dos "tories"? Duvido. Poderão os liberais-democratas garantir um acordo parlamentar com os conservadores? Duvido ainda mais: os "lib dems" não esqueceram o preço que pagaram pela coligação com David Cameron (2010-2015) e, além disso, o "brexit" não é, para eles, um assunto encerrado.

Mas chega de apostas. Como a política inglesa tem demonstrado, as apostas podem sair furadas.


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