Folha de S. Paulo


Crise profunda na Venezuela expõe divisões no partido governante

Começam a aparecer rachaduras no partido governante da Venezuela, mais de dois meses após o início das mortíferas manifestações de rua que pedem a demissão do presidente Nicolás Maduro.

A promotora pública Luisa Ortega Díaz, há muito tempo leal a Maduro e a seu falecido antecessor, Hugo Chávez, tornou-se uma das críticas mais veementes e poderosas da tática usada pelo governo para reprimir os protestos, que deixou mais de 60 mortos e milhares de presos.

Enquanto isso, o ministro da Defesa fez um raro apelo público na terça-feira (6) para deter as "atrocidades" que estão sendo cometidas pela Guarda Nacional.

A deterioração gradual da Venezuela é bem documentada há anos, mas observadores dizem que o país entrou em uma nova fase no último ano, enquanto Maduro afirma seu controle.

As eleições foram adiadas, as regras necessárias para reescrever a Constituição, que geralmente exigem um referendo, foram ignoradas e civis estão sendo levados a tribunais militares acusados de traição à pátria.

Para aumentar o caos político e social, o governo deixou de fazer um pagamento de quase US$ 1 bilhão à Rússia, sua aliada, por compras anteriores de armas e os investidores aumentam as apostas de um calote de bilhões de dólares de dívida.

A crescente divisão ficou clara na quarta-feira (7), depois damorte de um manifestante de 17 anos nas ruas de Caracas, após sofrer ferimentos no peito. O governo rapidamente culpou um explosivo caseiro que ele supostamente carregava, enquanto a oposição indicou vídeos que mostram soldados da Guarda Nacional atirando latas de gás lacrimogêneo na direção dele.

O Ministério Público disse que vai investigar, enquanto o defensor público, um sólido aliado de Maduro, tuitou os supostos resultados da autópsia que confirmam a tese da bomba caseira.

Um dia depois que o ministro da Defesa, Vladimir Padriño López, pediu para a Guarda Nacional conter o comportamento inadequado contra os manifestantes, vídeos das forças de segurança arrastando um manifestante pela rua com uma motocicleta apareceram nas redes sociais.

No início desta semana, vídeos mostraram guardas nacionais roubando bolsas, relógios e telefones de civis em plena luz do dia em Caracas.

A oposição, uma aliança frouxa de partidos que vem tentando abalar o regime socialista no governo há quase duas décadas, foi reforçada pelos últimos protestos.

Moradores de bairros pobres das grandes cidades da Venezuela, geralmente a espinha dorsal de apoio ao governo, ocasionalmente aderiram às manifestações que levaram a saques esporádicos e ao fechamento de ruas. Elas muitas vezes terminam com uma nuvem de gás lacrimogêneo e balas de borracha.

Com um índice de aprovação em torno de 20%, Maduro tenta aproveitar a última onda de inquietação e preços baixos do petróleo antes das eleições presidenciais marcadas para o próximo ano.

A oposição, porém, é cada vez mais cética de que o governo permitirá uma votação livre e justa depois que o conselho eleitoral partidário já cancelou um referendo de revogação e adiou eleições locais para o fim do ano.

POUPANÇA SECOU

Para piorar as coisas, as poupanças acumuladas durante o apogeu do petróleo parecem estar quase secas. As reservas internacionais caíram 75% desde seu pico em US$ 10,5 bilhões, em 2008, e o governo teve de cortar severamente as importações essenciais de alimentos, remédios e bens de capital para continuar pagando a dívida externa.

A moeda se tornou quase sem valor no mercado negro, onde são necessários mais de 6.000 bolívares para comprar US$ 1.

O pagamento devido à Rússia, que o embaixador da Venezuela em Moscou disse que espera resolver por meio de uma segunda reestruturação das condições do empréstimo, é o último sinal de problemas financeiros.

A dívida venezuelana já é negociada próximo do que alguns esperam que seria o valor de recuperação no caso de uma moratória, entre US$ 0,35 e US$ 0,50, com rendimentos acima de 25%.

Uma recente série de acordos para venda de títulos sem liquidez do balanço do banco central para bancos de Wall Street atraiu a ira da oposição, que ameaça repudiar as debêntures em um futuro governo.

'INFLEXÍVEIS'

Os manifestantes haviam combinado de se reunir na tarde desta quinta-feira (8) no local onde morreu o jovem de 17 anos.

Miguel Pizarro, um legislador de oposição que representa o bairro trabalhador de Petare, em Caracas, e estava ao lado do menino que morreu na quarta (7), disse que os manifestantes estão inflexíveis.

Legisladores como Pizarro passaram mais tempo marchando na rua do que no Congresso, que foi enfraquecido pela Suprema Corte.

"A violência só traz mais violência", disse ele. "Apresentamos propostas para resolver a situação que foram ignoradas. Ninguém pode nos convencer de que estamos condenados a esta realidade."

Tradução de LUIZ ROBERTO MENDES GONÇALVES


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