Folha de S. Paulo


Atentado expõe preocupação por falta de policiais armados no Reino Unido

A intensa presença de soldados e policiais armados nas ruas do Reino Unido depois do atentado terrorista em Manchester veio em um momento de crescente preocupação sobre a possível falta de policiais armados no país.

Amber Rudd, a secretária do Interior britânica, confirmou que até 3.800 soldados estarão à disposição para ajudar a polícia em operações de combate ao terrorismo, sob um protocolo de emergência conhecido como Operação Temperer.

Ray Tang/Xinhua
Policial e soldado patrulham o palácio de Westminster; recrutamento de policiais armados atrasa
Policial e soldado patrulham o palácio de Westminster; recrutamento de policiais armados atrasa

Ela disse que embora as Forças Armadas estivessem "reforçando" a polícia, a operação era parte de um processo estabelecido e não indicava uma escassez de policiais.

No entanto, chefes de polícia locais britânicos vêm alertando quanto a dificuldades em recrutar os 1.500 policiais armados adicionais que o governo britânico prometeu contratar depois dos ataques terroristas em Paris e Bruxelas.

Embora as forças britânicas tradicionalmente evitem uma presença armada pesada em favor do "policiamento consentido", os políticos acreditam que o nível mais severo de ameaça e a necessidade de reassegurar o público pedem uma demonstração de força.

Sob a Operação Temperer, soldados do Exército trabalharão sob o comando da polícia para prover uma "guarda armada estática" em locais importantes, como o palácio de Buckingham, a sede do governo em Downing Street, embaixadas estrangeiras e o palácio de Westminster (sede do Parlamento).

Isso permitirá que policiais armados executem patrulhas independentes para combater o terrorismo. Rudd enfatizou que se trata de "um arranjo temporário a fim de responder a um evento excepcional", e não de um estado de emergência duradouro como o imposto pelo presidente François Hollande na França depois dos ataques de 2015 em Paris.

O jurista David Anderson, que preside a comissão apontada pelo governo para revisar as leis de combate ao terrorismo, disse que a decisão de acionar a Operação Temperer se devia em parte à falta de policiais armados.

"Estamos tentando aumentar o número de policiais armados, mas esse reforço ainda não foi completado, e a ideia parece ser a de que soldados deveriam estar disponíveis para defender instalações fixas... de modo a liberar policiais armados para outros deveres nas ruas", ele disse à BBC.

De acordo com os dados mais recentes, há no momento pouco mais de 5.500 policiais armados na Inglaterra e País de Gales, metade do número existente 15 anos atrás.

O efetivo vinha em queda nos últimos anos, em função da decisão do governo de cortar gastos. Entre 2010 e 2015, os orçamentos das forças policiais britânicas foram reduzidos em 22%. A Scotland Yard —que policia Londres e supervisiona as operações de combate ao terrorismo no Reino Unido— está diante de novos cortes da ordem de 400 milhões de libras (R$ 1,7 bilhão), em um orçamento anual de três bilhões de libras (R$ 12,75 bilhões).

No entanto, os cortes de verbas não são o único obstáculo ao recrutamento de mais policiais armados.

Sir Bernard Hogan-Howe, antigo comissário da Polícia Metropolitana de Londres, usou seu discurso de despedida, este ano, para alertar que a polícia não cumpriria sua meta de treinar 600 policiais para o uso de armas de fogo porque "simplesmente não temos pessoas que queiram esse trabalho".

O índice de reprovação no treinamento é alto, ele disse, e a estimativa é de que a polícia metropolitana tenha recrutado apenas dois terços do efetivo armado prometido.

Muitos chefes de polícia atribuem a culpa pela dificuldade de recrutamento à atitude punitiva da Comissão Independente para Queixas sobre a Polícia quanto a incidentes nos quais os policiais fazem uso de armas de fogo.

"Um policial pode terminar como suspeito de homicídio, e isso terá efeito fortemente adverso sobre sua carreira e envolve uma investigação que dura entre 12 e 18 meses", disse Peter Neyroud, antigo policial e antigo diretor da Agência Nacional para a Melhora da Polícia.

"É claro que policiais devem ser responsabilizados pelos seus atos, mas a comissão vem pesando na balança e muitos policiais ponderam os riscos e chegam à conclusão de que não vale a pena ser parte das unidades armadas".

Uma solução seria criar um força nacional de polícia armada, reunindo os especialistas em armas de fogo do Civil Nuclear Constabulary (que protege as instalações nucleares britânicas), da polícia do Ministério da Defesa e da polícia dos transportes sob um comando centralizado.

A ideia, proposta no final do ano passado e agora incorporada à plataforma de campanha do Partido Conservador, criaria uma força de 4.000 policiais armados para proteger a infraestrutura nacional e responder rapidamente a ataques.

Mas o plano foi criticado por líderes da polícia que questionam a necessidade de uma união que só causaria desordem, porque o Ministério da Defesa e o Civil Nuclear Constabulary já dispõem de policiais armados para responder a incidentes.

"É questão de determinar se policiais armados são a resposta ao problema", refletiu Neyroud. "Ter maior número deles não teria impedido o atentado de Manchester. Prevenção envolve dispor da capacidade de investigação e estar alerta às informações. É disso que precisamos".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


Endereço da página:

Links no texto: