Folha de S. Paulo


Novo presidente do Equador promete aprofundar políticas de esquerda

Santiago Armas/Xinhua
Lenin Moreno chega, junto de sua mulher, para a sua cerimônia de posse no Congresso equatoriano
Lenin Moreno chega, junto de sua mulher, para a sua cerimônia de posse no Congresso equatoriano

Com um discurso de posse que durou 1h15, o novo presidente do Equador, Lenín Moreno, 64, reforçou, nesta quarta-feira (24), algumas de suas promessas de campanha: diálogo e conciliação, combate à pobreza extrema e ao narcotráfico, ampliação de benefícios sociais e do sistema de saúde, e proteção a pessoas com deficiência, aos de terceira idade e a mulheres que sofrem violência doméstica.

"Temos uma dívida com nossas mulheres, que são metade da população, e mães da outra metade", disse, sendo aplaudido e puxando um coro de: "Nem uma a menos"

O novo presidente equatoriano, que é paraplégico e usa cadeira de rodas, foi empossado no Congresso unicameral na presença de uma dúzia de presidentes latino-americanos, entre eles estavam Michelle Bachelet (Chile), Juan Manuel Santos (Colômbia), Evo Morales (Bolívia) Pedro Pablo Kuczynski (Peru), Horacio Cartes (Paraguai) e Mauricio Macri (Argentina).

"Foram dez anos como testemunha da construção de caminhos, pontes, portos e aeroportos (...) dez anos de recuperação da autoestima e do sentimento de pertencimento dos equatorianos. Esse processo tem um nome: revolução cidadã", disse Moreno no discurso de posse.

Formado em Administração Pública, Moreno também afirmou que "a paixão pela vida nos obriga a aprofundar as mudanças alcançadas, defender os avanços sociais", conforme estabelece seu programa de governo.

Como já é característico em seus discursos, citou artistas, como o compositor espanhol Juan Manuel Serrat, e não deixou de usar uma linguagem mais poética ao referir-se aos jovens, a quem pretende ampliar a ajuda de custo para que tenham mais acesso às universidades: "que nossos filhos sejam críticos, mágicos e seguros, com criatividade para levar o mundo adiante", em que foi muito aplaudido.

Não houve referências a medidas econômicas para enfrentar a recessão em que o país se encontra. Sobre a liberdade de imprensa, que foi cerceada nos dez anos de gestão Rafael Correa, Moreno disse que "a relação com os meios será fresca e fluida", mas advertiu: "Espero que os meios sejam portadores dos desejos da cidadania".

A dívida externa do Equador subiu 150% (para US$ 25,6 bilhões, 26,3% do PIB) na última década, segundo dados oficiais. A economia encolheu 1,5% em 2016 e o preço do petróleo, o principal produto de exportação, caiu de US$ 98 por barril em 2012 para US$ 35 em 2016. No primeiro trimestre deste ano, o preço aumentou para US$ 45 o barril.

Nos últimos dias, Moreno havia dito que não manteria o programa televisivo semanal, como fazia seu antecessor, mas que, a princípio, a polêmica Lei de Comunicação, que estabelece uma agência controladora da imprensa, seria mantida e revisada.

A cerimônia, que durou cerca de quatro horas, foi também a despedida de Correa do cargo após 10 anos de mandato. O agora ex-presidente, que se mudará para a Bélgica com a família, foi muito aplaudido ao deixar o auditório da Assembleia Nacional, onde ocorreu a cerimônia.

Cartes e Macri passaram mal por conta da altitude de Quito e se ausentaram de parte da cerimônia, foram levados para uma sala ao lado, onde tomaram chá de coca para recuperar-se.

Apesar de confirmado até o último momento pelo governo equatoriano, o venezuelano Nicolás Maduro não compareceu.

Após os discursos, houve um almoço privado entre os presidentes. Nas ruas de Quito, houve shows de música popular.

MODELO EM CRISE

O modelo Correa, baseado em um Estado investidor e disciplinador da sociedade, está "em crise" e "requer uma bonança econômica para se sustentar", aponta Pablo Ospina, analista da Universidade Andina Simon Bolívar em Quito.

Para o cientista político Simón Pachano, da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso) em Quito, as perspectivas para Moreno "são difíceis, especialmente sobre a situação econômica", que levou o país à recessão nos últimos trimestres.

No entanto, as expectativas das classes mais pobres seguem intactas. "Espero que Lenín me ajude a ter minha casa. Não quero tudo dado, preciso de facilidades para pagar", disse à AFP Trellas Isabel.

Moreno pretende alcançar uma economia sustentada na eficiência e uma gestão adequada dos recursos, de modo a sustentar a justiça social e equidade fiscal.

O novo presidente anunciou na terça-feira a composição do seu gabinete, integrado por empresários, líderes sociais e funcionários de Correa, como María Fernanda Espinosa e Miguel Carvajal, que serão chanceler e ministro da Defesa, respectivamente.

Moreno, que eliminou seis ministérios coordenadores como o de Política Econômica, entregou a pasta das Finanças a Carlos De la Torre, ex-assessor do Banco Central, e de Hidrocarbonetos a Carlos Pérez, ex-executivo da empresa petrolífera americana Halliburton.

"Este é o momento de renovar os compromissos e enfrentar juntos novos desafios. Vou trabalhar para cada um de vocês", declarou Moreno ao receber há uma semana a credencial presidencial.

A oposição recuperou terreno na última eleição, aumentando sua presença no Parlamento, onde o governo deixa de ter a maioria qualificada de dois terços para reformar a Constituição. O oficialismo dispõe agora de uma maioria frágil de 74 cadeiras, contra 100 do período 2013-2017.


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